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Baixos de viadutos em São Paulo têm lixo, barraco e até casas de alvenaria

Milhares vivem embaixo de estruturas de passagem e algumas até já foram atingidos por incêndios como o que danificou a Ponte do Jaguaré na semana passada. Prefeitura destacou ter lançado um projeto-piloto para revitalização de áreas

Por Túlio Kruse e Felipe Resk
Atualização:

SÃO PAULO – Os viadutos de São Paulo abrigam uma série de ocupações irregulares, sejam de barracos de madeira ou de casas de alvenaria. O ponto em comum: o histórico de incêndios. Em outras áreas da cidade, o espaço sob a estrutura vira depósito de entulho, refúgio de usuário de droga ou até academia de boxe – como mostra visita do Estado. Procurada, a Prefeitura destacou já ter lançado um projeto-piloto para revitalização. 

'O viaduto é meu teto', diz a autônoma Francis Ramos, na Penha Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

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Na sexta-feira, um incêndio atingiu uma série de barracos sob a Ponte do Jaguaré, na Marginal do Pinheiros, interditou a estrutura e desalojou os sem-teto. Na ocasião, a gestão Bruno Covas (PSDB) divulgou nota afirmando “monitorar constantemente a situação das ocupações sob viadutos”. Existiriam “sete pontes ocupadas”.

Fora dessa lista, cerca de mil pessoas, segundo moradores, vivem em barracos de madeira sob o viaduto por onde passam linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), também na Marginal do Pinheiros. Vizinha, a comunidade está a cerca de 4 quilômetros da Ponte do Jaguaré e também já passou por incêndio. 

Segundo os sem-teto, o fogo atingiu o local há seis anos. “Queriam tirar todo mundo daqui, mas só ofereceram auxílio-aluguel e o pessoal não aceitou”, diz a moradora Quele Cristina Santos, de 25 anos. Ela também conta que os barracos até chegaram a ser desocupados neste mês, para demolição, mas como ainda não vieram abaixo, os moradores estão voltando. 

Quele Cristina Santos, de 25 anos, (no degrau de baixo) e Ana Paula Santos, de 44, moradoras de uma favela embaixo da ponte da CPTM na Marginal do Pinheiros; local teve incêndio há seis anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“O viaduto é o meu teto”, diz a autônoma Francis Ramos, de 31 anos, que mora com o ex-marido e três filhos em uma casa de dois andares, toda feita de tijolos e vigas de ferro, sob o Viaduto Tiquatira, na Penha, zona leste. No quarto, nem construiu a parede dos fundos: aproveitou a estrutura do viaduto.

Por lá, as instalações elétricas são irregulares e moradores relatam dois incêndios - um na década de 1990 e outro no ano passado. Ainda é possível ver marcas das chamas, na parte de baixo do Tiquatira. “A gente fica apreensivo porque pode acontecer com a gente”, diz a desempregada Maria do Carmo Santos, de 34. “Quando chove, entra água nas casas. Também tem muita poluição e pombos.” 

'O viaduto é meu teto', diz a autônoma Francis Ramos, na Penha Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Outras áreas

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Já no Viaduto Alcântara Machado, na Mooca, há dezenas de barracos de madeira. “Malocas resistem por moradia, dignidade e autonomia”, diz uma faixa. Sob a estrutura, funciona, ainda, uma academia, com equipamentos ao ar livre. 

Instalações elétricas irregulares na Mooca e em outroslocais ampliam os riscos Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Embaixo do Viaduto Pacheco Chaves, na zona sul, há casas com mais de 20 anos que, agora, começam a ganhar estrutura de alvenaria e azulejos. Os moradores começaram a trocar tábuas por tijolos após um incêndio no local. “O pessoal começou a colocar bloco para ter menos risco”, diz a dona de casa Mônica Reis, de 34 anos. “Não quero sair daqui de jeito nenhum.”

O pedreiro Severino Reis de Carvalho, de 53 anos, construiu boa parte dos barracos na última década e meia, desde que chegou para morar na comunidade. “Essa favela aqui, a maior parte dos barracos quem costruiu fui eu”, conta.

Viaduto Pacheco Chaves ainda tem barracos de madeira embaixo de sua estrutura; após incêndios, comunidade começou a trocar tábuas por alvenaria Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Foi o dinheiro da construção que custeou as reformas do seu próprio barraco, improvisado a poucos metros da pista do viaduto, e também dos casebres que fez para suas três filhas. Ele diz que não vê motivo para sair. “A gente reza para ter um bocado de sossego e continuar por aqui, porque a comunidade é tranquila.”

A cerca de 2 quilômetros, pilhas de lixo e entulho ocupavam a pista sob o Viaduto Grande São Paulo, que dá acesso à Avenida do Estado. Lá, fissuras na estrutura são visíveis, ainda assim há barracas montadas. O local foi apontado como uma das estruturas em piores condições em fevereiro deste ano, após um viaduto ceder na Marginal do Pinheiros. 

Pilha de entulho bloqueia pista embaixo doViaduto Grande São Paulo, no Ipiranga; má conservação é um dos problemas em pontes e viadutos da cidade Foto: Tiago Queiroz/Estadão

No centro, o Viaduto do Glicério sofreu uma série de incêndios em 2017. Embora a área já tenha sido protegida por grades e tapumes, ainda se vê barracas de lona, montadas diariamente por moradores de rua e por usuários da Cracolândia. “Eles (agentes da Prefeitura) levam tudo, tiram a madeira onde o sujeito está dormindo e deixam ao relento”, diz a moradora Cristiane, de 34 anos.

Procurada, a Prefeitura informou estar “empenhada num grande programa de requalificação dos baixos de viadutos”. O programa-piloto foi publicado no Diário Oficial do dia 8, para “receber propostas para as áreas sob os viadutos Pompeia, Lapa e Antártica, na zona oeste, que servirão de modelo.

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