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Vila Itaim, na zona leste de SP, está há 20 dias 'debaixo' d'água

Córregos transbordaram em fevereiro; enquanto em outros bairros da região a situação já foi normalizada, local está 'ilhado'

Por Luiz Fernando Toledo
Atualização:

SÃO PAULO - Há praticamente um mês o estudante Mateus Ribeiro dos Santos, de 17 anos, tem uma obrigação diária: de segunda a sexta-feira, no início da tarde, põe nas costas a irmã Suellen, de 11, para enfrentar  as ruas alagadas da Vila Itaim, no extremo da zona leste da capital. O destino é a Escola Municipal Capistrano de Abreu, onde a menina estuda. Mais uma vez os moradores do bairro, enraizado nas várzeas do Rio Tietê,estão “ilhados”.

A situação se arrasta pelo menos desde o dia 20 de fevereiro, quando uma chuva intensa fez sete córregos transbordarem na região. Em outros bairros atingidos -Vila Jacuí, Vila Nova União, Jardim Lapenna e Jardim Romano - a água recuou. No Itaim, tudo continua igual.

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Mateus não usa botas ou qualquer outro tipo de proteção. Diz já estar acostumado. “Já fiquei de cama, tive diarreia, não conseguia comer.” A água que chega aos tornozelos carrega fezes, urina e até sacos de lixo jogados por moradores. Levar a irmã nas costas foi a única solução que o adolescente encontrou para que a menina não perdesse as aulas.

No sobrado de Mateus, onde também vivem um irmão de 20 anos e os pais do garoto, a situação já foi pior. A família já perdeu a conta de quantas vezes os móveis foram levados pela água. Conquistaram tudo aos poucos novamente com doações de amigos.

A mãe do estudante, a enfermeira Elaine Aparecida dos Santos, de 39 anos, decidiu quebrar todos os cômodos da frente da casa e construí-los nos fundos, no andar de cima. Não aguentou mais a situação rotineira de acordar para ir ao banheiro e sentir a água nos pés. “Meus filhos faziam as necessidades em saco plástico, era muito humilhante”, contou.

Na reforma, foram gastos R$ 30 mil, tudo obtido em empréstimos. A família já tentou deixar o imóvel, mas não consegue vendê-lo. “Meus filhos também já não conseguem sair daqui. Estudam aqui, têm amigos aqui. Quis me mudar mas não dá mais”, conta a mãe. Ela chegou a receber oferta de bolsa aluguel da Prefeitura para deixar o lugar. “Mas o que eu vou fazer com R$ 300 ou R$ 400 tendo família de cinco pessoas?”

Para trabalhar, Elaine já tem um ritual: ergue as barras da calça, calça o par de chinelos e atravessa a rua até uma escola municipal, onde se enxuga.O cachorro da família, Thor, morreu há algumas semanas com leptospirose, depois de fugir da casa e passar dias em contato com o esgoto.

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A situação já é rotineira no bairro em períodos de chuva.É comum ver moradores com galochas para ir à padaria, ao trabalho e até ao culto evangélico. A aposentada Izaira Ferreira dos Santos, de 63 anos, repete o trajeto da casa à igreja de três a cinco vezes por semana. “Calço a bota e vou com a fé. Só rezando para suportar essas coisas”, diz ela, moradora no local há mais de dez anos.

O ajudante Wesley de Sousa, de 18 anos, ainda se pergunta se valeu a pena ter vindo do Maranhão em busca de emprego na capital paulista. “Não sabia que era assim, tudo alagado. Ninguém me avisou.” O jovem teve uma breve passagem por Guarulhos, mas veio à capital por ser mais perto do trabalho. Arrependeu-se.

Larissa Rufino, de 18 anos, busca o filho João Henrique, de 2 anos, na crecheCantinho do Céu,na Rua Aramaçã Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Creche. Para chegar às escolas da região, a solução foi recorrer às bicicletas. A estudante e dona de casa Larissa Rufina, de 18 anos, contou que deixou o emprego de vendedora para levar o filho João Henrique, de dois anos, à creche Cantinho do Céu, na Rua Aramaçã. Vai sobre duas rodas e volta a pé, de chinelos, com a criança montada no veículo. “Não tenho condições de pagar perua. E acho que nem ela deve entrar aqui nessa rua. É um descaso total”, reclamou.

Mas há quem já tenha desistido do trajeto. A vendedora Michele da Silva Santos, de 26 anos, nem leva mais a filha Ana Manuela, de 2 anos, ao local. “Minha cunhada veio aqui na semana passada e ficou doente. Prefiro nem arriscar”, disse ela, que tem ficado em casa para cuidar da menina desde o início das chuvas.

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As faltas viraram parte do cotidiano da creche. De acordo com uma funcionária,que pediu para não ser identificada, a maioria das 156 crianças da unidade que moram nas ruas alagadas já não vão mais ao local. “Estão todos presos em casa, não tem o que fazer. Aqui dentro não entra água, mas o problema é chegar. Está difícil para todo mundo.”

Pôlder. A solução para os alagamentos na região passa por responsabilidades tanto do governo municipal da capital quanto estadual. Em 27 de fevereiro do ano passado foi assinado um convênio entre a Prefeitura e o governo do Estado para a construção de um mini-piscinão, o pôlder, para conter as águas do Rio Tietê.

À Prefeitura cabe a remoção das famílias da área, ação que, segundo informado em nota, só poderá ser executada depois da desapropriação dos imóveis e apresentação do projeto de construção do piscinão pelo governo estadual, por meio do Departamernto de Águas e Energia Elétrica (DAEE).

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Já o DAEE informa que está viabilizando a desapropriação das áreas envolvidas. São 96 imóveis em uma área de 333,5 mil metros quadrados. E diz que em paralelo a isso, é “essencial” que a Prefeitura inicie o reassentamento das famílias que ocupam a área onde está sendo construído o dique.

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Enquanto o piscinão não sai do papel, uma equipe de 62 agentes municipais tenta minimizar o estrago. De acordo com a Prefeitura, equipes da Defesa Civil Municipal e das Subprefeituras de Itaim Paulista, Guaianases, São Mateus e Cidade Tiradentes atuam no local em ações integradas de limpeza de bueiro, cata-bagulho, limpeza e varrição de logradouros e sucção de água da inundação. Diz ainda que cerca de duas mil famílias receberam kits, cestas básicas e insumos.

Para famílias como a de Eliane, resta esperar. E evitar que Nutella, o outro cãozinho que vive nacasa, fuja da garagem. Esteve no colo de sua dona durante toda a visita da reportagem, na quarta-feira, 9. “Não quero perder mais um. Essa situação dói”, diz. 

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