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Viagem à África vira conteúdo escolar

Após conhecer vários países se deslocando por meio de transporte público, casal criou um portal sobre a história do continente

Por Barbara Ferreira Santos
Atualização:

Quando se fala da África, o principal estereótipo que surge é fome, desnutrição e pobreza. Já se o assunto é a ligação entre o continente e o Brasil, a referência que pode vir à mente é a escravidão no País. Essas comparações e citações simplistas foram e são ensinadas nas salas de aula brasileiras até hoje.Com o objetivo de conhecer o continente a fundo - sem estereótipos -, uma jornalista, pesquisadora de história africana, que viu por diversas vezes esses clichês sendo reproduzidos reiteradamente em livros didáticos, artigos e notícias, pôs em prática um sonho que nutria com o namorado: passou sete meses no continente se deslocando por meio de transporte público por oito países.Juntos, Flora Pereira da Silva, de 27 anos, e o designer Natan de Aquino Giuliano, de 28, criaram o site Afreaka.com.br, um portal de conteúdo multimídia sobre histórias "alternativas e descoladas" do continente. Escolheram o nome Afreaka em trocadilho com a palavra "freak", que no inglês pode significar estranho, bizarro ou excêntrico. "A gente escolheu freak no sentido de diferente, estranho para o nosso olho que está viciado para o clichê", explica Giuliano.A viagem foi feita em 2012, por meio de financiamento coletivo. O casal conseguiu arrecadar R$ 29 mil. O valor permitiu que eles conhecessem África do Sul, Namíbia, Botswana, Zimbábue, Zâmbia, Quênia, Tanzânia e Moçambique.O que eles não esperavam é que o projeto fosse fazer sucesso inclusive entre alunos e educadores. Durante a viagem uma aluna da sétima série de uma escola de Campinas escreveu para o casal porque precisava de informações sobre a Tanzânia para um trabalho escolar. "A gente parou um tempo para fazer um vídeo sobre o país para ela e em inglês, que foi a língua que ela pediu", conta Giuliano. Depois de receber o material, a garota e a mãe dela escreveram para agradecer e disseram que o vídeo agradou professores e alunos da escola.Professores ficaram sabendo do projeto por meio de comunidades de estudos africanos nas redes sociais e contataram o casal. Eles foram chamados ainda para fazer palestras em um colégio particular de Minas Gerais e para conversar com professores e diretores da rede municipal de Ribeirão Preto.Todo esse interesse dos leitores motivou, em grande parte, a volta do casal para a África. De outubro de 2013 a junho de 2014, eles fizeram uma segunda viagem, também por financiamento coletivo. Desta vez, sete países foram visitados: Senegal, Mali, Burkina Faso, Gana, Togo, Benin e Nigéria.No continente, passaram pela casa de mais de 15 famílias, circulando de transporte público. "Andamos de ônibus, vaca, cavalo, carroça, trem, caminhão", relembra Flora. Os dois circularam pelas cidades e também por comunidades tradicionais do interior. Viram o encontro do mundo atual, globalizado e tecnológico, com a cultura e costumes locais. "O primeiro estereótipo que o brasileiro imagina é que a África está toda dividia em tribos. Esse é um termo que significa população atrasada. Mas lá, os povos lutam e são orgulhosos por se manterem daquele jeito", explica a pesquisadora.Ela conta que conseguiu desmitificar a ideia de que essas culturas tradicionais são passivas. Em uma comunidade no norte do Quênia, ela encontrou um grupo de homens vestidos como guerreiros com um celular, assistindo a um vídeo. O casal foi até o grupo para acompanhar o que eles assistiam e viram que era um vídeo de uma cerimônia tradicional de outro vilarejo. "Eles estavam usando uma ferramenta contemporânea para preservar a cultura", afirma a pesquisadora.Escolas. A preocupação em mostrar o continente de uma forma atual, abordando questões como sustentabilidade, cinema, moda, música e literatura, chamou a atenção de grupos de estudos africanos nas redes sociais. Para alimentar a conta do projeto no Facebook com todo o material que colheram, perguntaram se alguém queria se candidatar a um cargo de voluntário. Cerca de cem currículos foram enviados.Segundo eles, nas palestras que ministraram, também conseguiram chamar a atenção dos estudantes. "Uma vez, um aluno conhecido como dorminhoco nos disse, no final de uma palestra: 'Foi tão legal que eu nem dormi'. Vimos que falta esse tipo de abordagem nas escolas", diz Giuliano."Educação não só escolar, mas educação social. A nossa preocupação no Facebook agora não é só postar, é sempre trazer também um conteúdo educativo", diz Flora. Hoje a dupla está investindo em editais de fomento a projetos culturais para elaborar um livro. "Nosso sonho é, por meio da Lei Rouanet, conseguir distribuir os livros de graça ou a baixíssimo custo em escolas públicas e bibliotecas", afirma Flora.

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