70% das sessões acabam por falta de quórum na Câmara de São Paulo

Levantamento do ‘Estado’ mostra que, apesar disso, listas de presença são cheias e só 8 vereadores tiveram o salário descontado

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Por Adriana Ferraz e
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Plenário da Câmara Municipal de São Paulo Foto: ADRIANA FERRAZ/ESTADÃO

SÃO PAULO - Os vereadores de São Paulo abandonaram antes do término 60 das 85 sessões ordinárias na Câmara Municipal neste ano. Entre janeiro e esta quarta-feira, 70% das sessões terminaram por falta de quórum, mas as listas de presença mostram a Casa cheia. A falta às sessões é um quesito para desconto de salário dos parlamentares. O Estado fez levantamento cruzando dados dos registros das sessões plenárias - em que é possível ver a suspensão dos trabalhos por falta de quórum - e as listas de presença dos vereadores. Cada falta sem justificativa a uma sessão deveria resultar em desconto de R$ 750 no salário de R$ 15 mil dos parlamentares. Oito vereadores tiveram os vencimentos descontados no último mês.

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O total de sessões terminadas antes da hora neste ano alcança porcentual ainda maior do que o verificado no ano passado - ano eleitoral, que historicamente registra pouca atividade legislativa. Em 2014, em igual período (janeiro a 4 de novembro), houve 71 sessões ordinárias, das quais 40% (29) foram até o fim.

O que os vereadores têm feito é descer até o plenário, marcar a presença e não participar das sessões. Pelo regimento, o quórum se mantém quando há no mínimo 28 parlamentares.

As sessões ordinárias, quando realizadas, permitem que os vereadores discutam temas livres de 5 a 15 minutos, criticando, elogiando ou relatando ações da Prefeitura. Em agosto do ano passado, a Casa pagou R$ 796 mil por um novo painel eletrônico, formado por 16 telas de 60 polegadas, que permite a exibição de vídeos justamente para ilustrar os discursos dessas sessões. Sem elas, o equipamento só serve para registrar presenças e votos.

“O que o governo está fazendo é sufocar os vereadores que querem discutir os temas da cidade”, exclama o vereador Gilberto Natalini (PV), um dos parlamentares que mais criticam o esvaziamento das sessões. 

Dinâmica. A dinâmica para o encerramento começa com um parlamentar, em geral o líder do governo, Arselino Tatto (PT), pedindo a contagem dos presentes, logo após a abertura. Se não há presença suficiente, a sessão cai. Se há, Tatto então pede o encerramento da sessão - solicitação que tem de ser aprovada pelos demais.

Se na votação do pedido verifica-se que não há 28 vereadores, a sessão cai automaticamente. Agindo dessa forma, nesta quarta-feira Tatto conseguiu derrubar a sessão em só dez minutos. Nem mesmo a sessão extraordinária do dia foi ao fim. Às 15h49, os trabalhos haviam sido encerrados.

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Tatto argumenta que age dessa maneira para acelerar a votação dos “projetos de interesse da cidade”. “Vereador tem de votar projeto, é para isso que está lá”, diz. “Sessões ordinárias, como o nome já diz, são ‘ordinárias’, não são importantes. Os vereadores têm o tempo que quiserem para discursar nas sessões extraordinárias. Mas têm de votar os projetos. Muitos deles só aparecem para discutir projetos deles mesmos”, afirma o petista. 

O cientista político Humberto Dantas ressalta que o processo tem como base o regimento interno da Casa, por isso, não pode ser considerado ilegal. “Derrubar ou obstruir sessões faz parte do jogo. Tanto a oposição como a situação fazem uso desses instrumentos. Agora, a fiscalização feita pelo vereador não depende disso, deve continuar, mesmo sem a publicidade nas sessões”, diz.

Em alguns casos, as sessões ordinárias não são convocadas pelo presidente da Casa, Antonio Donato (PT). Desde o início do ano, 11 dias de sessão foram apagados da agenda. As folgas são às quintas-feiras, quando o plenário é emprestado para a realização de outros eventos. Nesta quinta-feira, 5, por exemplo, está marcada uma audiência pública sobre o Orçamento de 2016. Nesses eventos, não há nem marcação de presença nem risco de desconto nos salários.

Aprovações. Donato argumenta que a Câmara aprovou mais projetos neste ano do que no ano passado, o que, no entendimento dele, provaria que os vereadores têm trabalhado mais. “Ao longo de 2014, foram votados 151 projetos de vereadores e 27 do Executivo. Em 2015, somente até outubro (faltando, portanto, novembro e dezembro), foram votados 279 projetos de vereadores e 32 do Executivo”, diz nota da presidência. 

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Segundo o petista, “o entendimento ‘plenarista’, de que vereador tem de estar no plenário para trabalhar, não é correto, uma vez que o vereador trabalha em seu gabinete, nos bairros, em outros lugares”. Donato diz ainda que a convocação de eventos nas quintas-feiras foi uma decisão das lideranças das bancadas dos vereadores, que ele teve de cumprir.

Inclusão de presença. Apesar de constantemente derrubadas por falta de quórum, as listas de presença das sessões ordinárias estão sempre cheias no site da Câmara Municipal de São Paulo. No dia 27 de outubro, por exemplo, enquanto apenas seis vereadores marcaram seus nomes durante os poucos minutos da sessão, todos os 55 receberam presença oficial, evitando assim desconto em seus rendimentos. 

A 'mágica' é possível porque os vereadores podem marcar presença depois do término das sessões. Basta o parlamentar ir até o plenário e pedir, no microfone, que seu nome seja incluído entre os presentes. Essa regra está em vigor desde agosto de 2012, quando o Estado revelou que funcionários marcavam presença para vereadores ausentes a partir do uso de suas senhas pessoais.

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Depois da publicação da fraude, ficou definido que os registros das presenças nas sessões ordinárias passariam a ser aceitos durante as quatro horas previstas para a duração das mesmas, ou seja, até as 19h. 

O atual presidente da Casa, vereador Antonio Donato (PT), afirmou nesta quarta que a norma não será mudada. Em muitos casos, segundo ele, o parlamentar ausente na sessão ordinária está na Câmara, mas trabalhando em seu gabinete. Além disso, Donato ainda ressaltou que a maioria participa das sessões extraordinárias. 

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