Um estranho jardim

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Por José de Souza Martins
Atualização:

É um jardim muito estranho. Tanto pela localização, quanto pelo desenho, quanto pela visão que dele se pode ter a partir dos inúmeros ângulos e distâncias de que pode ser visto. É concepção e projeto de Emiliano Di Cavalcanti para o pátio interno do Edifício Califórnia, na Rua Barão de Itapetininga, n.º 255. O Califórnia, se não foi cantado em verso, foi cantado em prosa, como um marco no advento da arquitetura moderna em São Paulo. Marco não só da originalidade criativa de Oscar Niemeyer, mas também do seu originalismo, um certo exagero provocativo no questionamento da linha reta e da arquitetura tradicional. Aquele é um edifício arquitetonicamente desconstrutivo, porque, na época de sua edificação, enfrentava e desafiava também a estética das construções vizinhas. Algumas das quais ainda estão lá, ostentando antiquada beleza, dos tempos da São Paulo da garoa, do bonde, dos passeios na Praça da República, das mocinhas uniformizadas da Escola Normal Caetano de Campos. O edifício de Niemeyer discrepava, naqueles meados de 1950, dos pesados remanescentes do formalismo que expressara a mentalidade sisuda e solene da época da República Velha. O Califórnia questionava a arquitetura de imitação, que tentara reproduzir aqui a Paris que não éramos, colagens que expressavam o que queríamos ser, modo de gastar o dinheiro gordo que nos vinha do café. O Edifício Califórnia não só expõe o atrevimento criativo de Niemeyer. O arquiteto agregou à sua obra um painel de cores paulistas de Candido Portinari, logo na entrada da galeria, cuja tortuosidade amenizava as retidões de trajetos dos pedestres. Contrapunha-se, com seu traçado de roça, à linha reta das ruas e ao ângulo reto da esquina que alongavam caminhos. Há meio século corta caminho, jeito de atravessar espaços de que tanto gostam os brasileiros em geral. No seu tempo, era o painel a visão inevitável, contrapontística, de quem parasse para saborear um aromático café no lado oposto. Além do painel de pastilhas, Niemeyer agregou ao edifício o jardim de Di Cavalcanti sobre a laje do pátio interno, que o eventual curioso espia de qualquer janela dos corredores de circulação que vão do primeiro ao último andar. Foi o modo de livrar o lado de trás do prédio da feiura em que se expressa a mentalidade de que o belo fica confinado àquilo que se vê, à frente. O lado de trás dos edifícios é quase sempre um nojo visual. No fundo, por fora bela viola, por dentro pão bolorento. O jardim de Di Cavalcanti quebra essa tendência, mesmo que poucos olhem para ele. Suas sinuosidades brancas, pretas, cinzas e vermelhas seriam quando muito as de um piso a mais, talvez excêntrico, não fosse o verde exuberante das plantas que se intrometem no desenho dando uma alegria de orla marítima à tristeza do concreto.

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