Um dia no paraíso dos 'carrófilos'Um dia no paraíso dos 'carrófilos'

Centenas de pessoas, até do interior, passam todos os fins de semana pela Avenida Europa e pela Rua Colômbia, nos Jardins, para ver de perto Lamborghinis, Ferraris, Bugattis e outros carrões de cinema

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Por Paulo Sampaio
Atualização:

O programador de produção Carlos Felipe Tamassia, de 21 anos, veio no sábado de Atibaia para São Paulo (cerca de 64 km) com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça: filmar superesportivos nas mais de 30 lojas especializadas da Avenida Europa e de sua continuação - a Rua Colômbia -, na zona oeste. Superesportivos são carros incrivelmente velozes, que podem chegar a 300 km/h, têm aerodinâmica de avião, ronco de Fórmula 1 e logotipos tão festejados como Lamborghini, Ferrari, Bugatti, Porsche e Audi.

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"Venho pelo menos duas vezes por mês", diz Tamassia, que costuma circular a pé, entrando de loja em loja.

Tamassia e centenas de curiosos olham para as vitrines das lojas como se estivessem no jardim zoológico, diante do rinoceronte de Sumatra. A região ganhou ainda mais glamour com as recentes inaugurações das "jaulas" das inglesas Bentley e Aston Martin, marca do carro de James Bond. Segundo quem trabalha ali, o fluxo de visitantes aumentou bem. "Se faz sol, aparece ainda mais gente", diz o vendedor Guilherme do Prado, de 40 anos.

Anteontem, Tamassia estava com a namorada, a professora de educação física Tamaris Oliveira, de 22, temporariamente relegada a segundo plano. "Também gosto de carros", diz ela, com uma voz meio fraquinha.

O casal está na loja dos Lamborghini, marca italiana concorrente da Ferrari. Cerca de dez meninões com idades de até 25 anos observam sem piscar a iminente largada para um teste drive de um modelo alaranjado de R$ 1,2 milhão.

Qualquer um que quiser pode fazer o teste?

"Não! É preciso mostrar que é um comprador potencial", diz o vendedor de nome nobiliárquico Walter Siegfried Baron, de 39, que ganha 1% de comissão sob o valor da venda. O milionário prestes a fazer o teste (um jovem senhor de cerca de 45 anos, meio gordinho, de camisa polo justa e jeans) é freguês. "Ele já tem uma Ferrari", diz Siegfried. Quando se vende uma média de dois modelos por mês, é fácil identificar um "comprador potencial".

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Exemplo: o empresário Alexandre Fernandes, de 34 anos, quatro superesportivos na garagem, ou R$ 50 mil de IPVA, desembarca de um Audi R8 na porta da Platinuss, uma das lojas mais emblemáticas da região, para negociar mais um: "Vou almoçar com o vendedor", diz Fernandes, que guarda seus carros na garagem de um hotel, para não chamar atenção.

Carona de Porsche. "Peraí, peraí, já falo com você", diz o vendedor da Herbalife Thomas Eckert, de 19 anos, aparentemente enfeitiçado depois de sair de um Porsche Boxster no semáforo da Rua Itália. Segundo Eckert, que também está com câmera, o dono do Porsche prometeu que "arrancaria na frente" para que ele pudesse fazer uma tomada especialmente impactante. "Hoje já andei em dois Camaro e um Subaru WRX", diz o garoto, que veio de Valinhos e mantém o blog cardesignandpaparazzi.blogspot.com, onde publica suas peripécias automobilísticas.

Pergunta: por que o dono de um Porsche daria carona a um estranho no meio da rua?

É aí que entra o posto de gasolina Jardim América, próximo ao cruzamento com a Avenida Brasil, onde todos se encontram. Quem tem um superesportivo vai para mostrar; quem não tem aparece para tentar chegar perto - e, com sorte, dar um passeio no banco do passageiro. Eckart diz que, até conseguir dar três voltinhas, levou muitos nãos.

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Um Mustang GT-500 azul platinado passa ruidosamente, mas ninguém dá muita bola. "Não gosto de carros americanos, eles não fazem curva", diverte-se o estudante de engenharia elétrica Rodrigo Rios, de 25, dono de um Peugeot 207.

Quando se fala de carro, tudo ali é relativo. Ao volante da Ferrari do pai, o estudante Vinícius (ele prefere não dizer o sobrenome), de 21, filho do dono de uma construtora, refere-se a seu Subaru WRX de R$ 125 mil como "um carro mais simples". Vinicius foi de Santo André ao posto Jardim América com cinco amigos que se definem "pobres". Detalhe sintomático: os jovens entrevistados, até mesmo Vinicius, disseram estar sem namorada "no momento".

As entrevistas são entrecortadas por aparições de novos superesportivos ou miragens de hipercarros - como o italiano Pagani, que chega a custar R$ 6 milhões. "Respondo o que você quiser, mas aviso logo: dependendo do carro que aparecer, vou te deixar falando sozinho, tá?", diz Tamassia. Assim caminha a humanidade nos fins de semana da Avenida Europa.

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OS MAIS COBIÇADOS

Lamborghini

No nº 110 da Avenida Europa, a única loja da marca no País

Porsche

Os modelos Cayenne, Panamera, Boxster, Cayman e 911 estão no nº 459 da Avenida Europa

Aston Martin

Na Rua Colômbia, 799, o carro do agente 007 custa até R$ 1,4 milhão

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Bentley

Na Colômbia, 784, modelos dignos da rainha da Inglaterra

 

DEPOIMENTO

Walter Siegfried Baron

Vendedor da Lamborghini, na Avenida Europa

‘Alguns ficam intimidados com o preço’

"O primeiro carro que vendi foi um Fusca 68. Aí comprei uma Brasília. Troquei por dois Fuscas. Um dia, eu e um amigo cimentamos o terreno baldio do pai dele e abrimos uma lojinha. Sempre gostei de pilotar carros superesportivos. Para vender, você tem de pilotar. Estou nisso há 18 anos. Não dá para saber, pela aparência, quem é o comprador de um carro de R$ 1,2 milhão. É como bandido: não tem cara. Vem muita gente passear por aqui. Atendo bem quando as pessoas têm educação. Mas alguns ficam intimidados pelo preço dos carros e não dão nem bom-dia."

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