Um ano após massacre, país e alunos tentam dar nova vida à escola em Suzano

Dez pessoas morreram na tragédia; colégio da Grande São Paulo teve reforma e será reaberto em abril

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Por Pablo Pereira
Atualização:

SUZANO - Tentando superar o trauma do massacre de Suzano, na Grande São Paulo, que completa um ano nesta sexta-feira, 13, o estudante José Vítor Ramos Lemos, de 19 anos, mantém o sorriso no rosto, mas não gosta de falar do que aconteceu na Escola Estadual Professor Raul Brasil. Sobrevivente do ataque feito por dois ex-alunos da escola, José Vitor sofre com as lembranças da chacina e do golpe de machadinha que o atingiu no ombro, quando escapou da agressão. Mesmo carregando a ferramenta cravada ao corpo, conseguiu chegar ao hospital vizinho da escola para ser atendido.

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O agressor que o atacou, ex-aluno Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, morreu baleado pelo outro invasor, Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, após o cerco policial à escola. Cinco alunos e duas funcionárias da escola foram mortos no ataque, além do empresário Jorge Antônio de Moraes, de 51 anos, tio de Guilherme. Estudantes planejam homenagem aos colegas mortos nesta sexta.

“O José Vítor não quer falar sobre o que aconteceu”, disse ao Estado, na última segunda-feira, 9, a dona de casa Sandra Regina Ramos, mãe do rapaz. Ela conta que, depois do episódio, o filho pediu para trocar de escola e a família se mudou do bairro. Sandra aceitou comentar o caso na última segunda, quando o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares da Silva, foi a Suzano mostrar as obras de uma reforma na estrutura escolar.

Sandra Regina Ramos é mãede João Vitor Lemos, de 18 anos,um dos sobreviventes do ataque àEscola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO

O local deve ser reaberto às aulas no início de abril, com 21 salas de aulas reformadas, espaços para professores e funcionários e com uma alteração no projeto: o portão, por onde entraram os assassinos, na rua Otávio Miguel da Silva, 52, será fechado. A entrada será transferida para a rua de trás, rua José Garcia de Souza. O drama da mãe de José Vítor é semelhante ao de centenas de outras mães e alunos de Suzano. A escola registra neste ano, segundo dados oficiais da Secretaria da Educação, 1.072 matrículas, aumento de 10% em relação no número de alunos do ano passado: 970. Mas nem todas as famílias pensam igual sobre a situação da escola.

“A Raul Brasil é uma escola muito boa”, afirmou, na terça-feira, 10, Tamara da Cruz Rega, mãe de Gianluca, um dos novos alunos do primeiro ano regular do colégio. “Ele foi transferido de outro colégio”, revela a mãe, acompanhada pelo filho, diante do prédio da Faculdade Piaget, a instituição que temporariamente atende os alunos do Raul Brasil durante a reforma neste início de ano letivo. Preparando-se para enfrentar o Raul Brasil, Gianluca considera “normal” a transferência, disse que quer aproveitar a qualidade da escola para se preparar para o plano futuro: cursar “alguma coisa na área de tecnologia”. Ele está confiante que vai encontrar bom ambiente na escola reformada.

Tamara da Cruz Rega, com o filho, Gianluca, aluno novo da Raul Brasil Foto: PABLO PEREIRA/ESTADAO

Para o técnico de enfermagem Valdir José e a mulher, Érica, pais de Aimeé, de 15 anos, que estuda na escola do massacre, a situação dos alunos e suas famílias, um ano após a tragédia, ainda é de tensão. “A gente evita de falar sobre isso para não ficar lembrando ela do que aconteceu”, afirma o pai. “Mas ela quer voltar para lá, sim”, prossegue a mãe, contando que Aimeé gosta muito do colégio, no qual estuda há três anos. Ao lado dos pais, Aimeé diz que foi difícil conviver com a tragédia, mas assegura que quer voltar para a escola. Para ela, a reforma no prédio pode ajudar no retorno. “Isso deve ajudar a melhorar o clima, a gente precisa muito disso lá”, conta a menina, ao lado dos pais, pouco depois de deixar as salas de aulas do colégio emprestado.

Nesta sexta-feira, 13, jovens, ex-alunos e alunos do Raul Brasil, fazem uma homenagem aos colegas que morreram no ataque. Foram cinco alunos mortos: Caio Oliveira, 15 anos; Kaio Lucas da Costa Limeira, 17 anos; Douglas Murilo Celestino, 17 anos; Claiton Ribeiro, 17 anos; e Samuel Silva de Oliveira, 18 anos; além da professora Marilena Umezo, de 59 anos; e Eliana Regina de Oliveira, de 38 anos, agente de organização escolar.

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“É importante fazer essa homenagem”, conta a ex-aluna Jennifer Oliveira, de 18 anos. Ela lembra que estava na escola na manhã na qual Guilherme e Luiz Henrique entraram no prédio armados com flechas, machadinha e armas de fogo para o ataque. “Estava no banheiro”, contou. “Só saí quando um policial à paisana nos retirou de lá no final de tudo”, recorda a estudante, em depoimento ao Estado.

A escola está em obras e deve ser reaberta em meados de abril Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO

Era o último ano de estudos de Jennifer no Raul Brasil. Ela se formou em dezembro e agora cursa pedagogia na Faculdade Piaget, onde encontra todos os dias turmas do Raul Brasil abrigados lá por mais alguns dias. Jennifer é uma das alunas que sobreviveu à tragédia e que ainda necessita de acompanhamento psicológico por causa do episódio.

Segundo ela, depois do ataque, os professores “deram apoio” aos alunos para ajudá-los na superação da tragédia. “Todos foram muito legais com os alunos. Mas está sendo muito difícil de superar”, diz Jennifer. “Nestes dias, a gente chora ao lembrar que vai fazer um ano”, confessa. A dificuldade das crianças e adolescentes se mostra nos números de atendimentos psicológicos da rede pública de saúde de Suzano. Segundo o prefeito da cidade, Rodrigo Ashiuchi (PL), é um período ainda “muito difícil, de recuperação”.

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De acordo com levantamento do município, o sistema de saúde foi reforçado com profissionais da Rede de Assistência Psicossocial em junho, três meses após o crime, por causa do aumento da pressão sofrida pelos alunos e pela comunidade. Dados da prefeitura mostram que a demanda diretamente relacionada com a Raul Brasil subiu. Documentos do município mostram que “mensalmente foram surgindo novos casos ativados de maneira direta ou indireta pela tragédia”.

Relatório da equipe municipal destaca que “até a chegada dos novos psicólogos do Estado (julho/2019), a rede de saúde realizou 268 atendimentos individuais (de março a maio/2019), 28 visitas domiciliares e 40 ações de busca ativa, além dos atendimentos que já eram assistidos pelo município”. Os técnicos informam que “de julho a dezembro, com o auxílio dos novos psicólogos, os índices de atendimentos de psicologia na Atenção Básica chegaram a 13.684 individuais; 2.912 atendimentos em grupo; 6.282 ações comunitárias e 843 articulações de rede e de Educação Permanente.”

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