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Toque de recolher altera rotina da periferia

Na zona norte, moradores dizem que ordem para baixar portas vem do crime e da PM

Por Pablo Pereira
Atualização:

O telefone do açougue tocou logo após as 17h30 de quarta-feira e a funcionária ouviu uma voz que mandava fechar o comércio naquele momento. Se não obedecesse, alguém ia descer bala na loja. Avisado da ligação, o gerente imediatamente começou a baixar as portas. "Não vou esperar para ver", afirmou ele, assustado, cercado por auxiliares nervosos, que foram dispensados do expediente da loja de carnes três horas mais cedo.O açougue fica na esquina da Avenida Deputado Cantídio Sampaio com a Rua Avoante, no Jardim Damasceno, vizinho à Vila Brasilândia, na zona norte. A região vive assombrada por uma onda de toques de recolher, ameaças a comerciantes, tiroteios e uma Operação Saturação da Polícia Militar, deflagrada após bandidos executarem a soldado Marta Umbelina da Silva, na noite de sábado da semana passada, na frente de sua filha, de 11 anos. Dois dias após o assassinato da PM, marginais atearam fogo a um ônibus na ladeira da Rua Santa Cruz da Conceição, no Jardim Guarani, atropelaram três pessoas, mataram um homem e trocaram tiros com a PM. Menos de uma hora depois, homens não identificados atiraram em um grupo de moradores na calçada, a cem metros da ladeira, baleando o instalador de som Carlos Eduardo dos Santos, de 20 anos, que morreu no hospital, e o ajudante Luis Ricardo Romão, de 25, que morreu um dia depois.O medo se espalhou. Nos dias seguintes, a vida ficou tensa também no Jardim Carumbé e na Parada de Taipas. A PM reforçou a presença na área e o toque de recolher no início da noite passou a ser voz corrente nas comunidades. Na Cantídio Sampaio, o temor da ordem dada por telefone para o açougue levou ao fechamento antecipado do mercadinho vizinho e da loja de pássaros, na mesma calçada.Segundo um soldado do posto policial da avenida, a ordem é dada pelo crime. "Quem dá a ordem é o bandido do local. A gente nem fica sabendo porque os comerciantes não avisam." De acordo com lojistas, é exatamente ao cair da noite que o faturamento deles melhora. "É no fim do dia que as lojas vendem bem porque o pessoal chega do centro nos ônibus e passa por aqui antes de subir para casa", afirmou um comerciante, assustado, pedindo para não ser identificado. "Mas, se o açougue fecha, não dá pra ficar sozinho aqui. A gente fecha também."Sem aulas. No alto da Brasilândia, a Escola Ubaldo Costa Leite foi fechada na terça-feira. A justificativa da direção foi a falta de energia provocada pela batida do ônibus que foi jogado ladeira abaixo e atingiu um poste. Mas mães de alunos contaram que o clima de violência e boatos de toques de recolher no Jardim Guarani têm assustado a população há dias. "A minha filha não veio. Eu não deixei", disse Maria Alves, de 52 anos. A menina, de 18 anos, estuda à noite. Havia dois dias que a mãe, para preservar a vida da filha, a proibira de ir às aulas. Para a vendedora Cristiele Henrique, de 30 anos, mãe de um garoto de 11, do 5.º ano, que também não foi à escola, o toque de recolher foi dado pelos próprios PMs. "Os policiais passaram avisando para fechar", disse.A PM não reconhece a existência de toque de recolher na capital e afirma que os boatos devem ser comunicados pelo 190.

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