Tiroteio na escadaria da Catedral da Sé termina com dois mortos

Vítima foi baleada e bandido, morto pela PM; homem entrou em luta corporal com criminoso para salvar mulher, recebeu tiros e morreu

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Por Alexandre Hisayasu , Bruno Ribeiro , Monica Reolom , Paula Felix e Rafael Italiani
Atualização:

Atualizada às 23h42

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SÃO PAULO - As portas da mais conhecida Igreja Católica de São Paulo passaram grande parte da tarde desta sexta-feira fechadas. E ao lado da cruz principal que adorna a madeira havia buracos de bala que marcavam as duas mortes ocorridas no local ontem, no caso mais grave de violência registrado na Sé desde o massacre de sete moradores de rua em 2004. Nesta sexta, a ação que começou dentro da Catedral terminou em tiroteio e na morte de mais dois moradores de rua: um deles se sacrificou para salvar a balconista Elenilza Mariana de Oliveira Martins, de 25 anos.

Natural de Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo, Elenilza estava dentro da catedral por volta das 14 horas. Centenas de pessoas se encontravam no templo, um dos principais pontos turísticos da capital paulista, após a missa do horário do almoço. Quando se preparava para deixar o local, ela foi abordada pelo ex-presidiário Luiz Antonio da Silva, de 49 anos. “Vamos embora que está ‘molhado’ (gíria para dizer que estaria sendo procurado pela polícia).”

“Não o conhecia e ele não tentou me roubar. Acho que estava tentando fugir da polícia. Por isso, foi para dentro da igreja. Aí me abordou para sair com ele”, relatou a jovem, que é solteira e tem curso superior. Com medo, decidiu obedecer o comando do criminoso. A ação não deixou de ser notada: o segurança da catedral João do Nascimento, de 57 anos, viu a cena, mas pensou que se tratava de uma briga de casal. “Era uma conversa tensa. A gente percebeu um começo de discussão.”

Para levar a balconista para a fora, Silva ainda a agrediu no olho com uma chave de fenda. Temendo por sua vida, Elenilza começou a sair com ele pela porta principal. Mas outras pessoas que acompanhavam a cena optaram por chamar policiais militares - há uma base móvel do outro lado da praça. 

Os soldados Valentim e Eferson, que atuam na Operação Delegada da Prefeitura, começaram a subir a escadaria. “Eu fiz cara de medo e os policiais perceberam (que havia algo errado). Aí vieram abordar e ele começou a dar tiro”, relatou a vítima ao portal de notícias G1. No boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil, os PMs também relatam os tiros. Na sequência, eles correram para se abrigar em carros estacionados na lateral da Igreja. Ao ver a primeira agressão, o segurança Nascimento fechou as portas principais da Sé para proteger os fiéis. O ex-presidiário tomou Elenilza como refém e escudo.

Os agentes pediram reforço e logo os policiais militares Claudemir Correa da Silva, Manoel Geraldo dos Santos de Melo e Eduardo Gonçalves de Santos Júnior, além do guarda-civil metropolitano Anderson Ricardo Monteiro, cercaram a base da escadaria e pediram para que o criminoso soltasse a jovem. Ele a agarrou pelo pescoço e tentou retornar ao alto da Igreja.

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Mortes. As imagens de uma equipe de TV que filmava na praça e de celulares de transeuntes mostram a sequência seguinte, com Elenilza tentando livrar-se de Silva e ele se desequilibrando. Ela tentou tomar sua arma, prendendo as mãos do homem enquanto se encolheu no chão. Ele evitou ser desarmado. Manteve a mulher imobilizada, chegando a apoiar um joelho na sua cabeça, enquanto pisava em suas costas.

A tensão aumentava. À pouca distância, formava-se uma multidão aos pés da escadaria. Ouviam-se gritos de “pega” e “mata” e pedidos de linchamento. É nessa hora, às 14h20, que Francisco Erasmo Rodrigues de Lima, de 61 anos, morador de rua, aparece em imagens cruzando a Praça da Sé e notando a confusão nas escadarias da Catedral. 

Entre os gritos de “pega” que ainda se ouviam ao fundo, ele se aproximou devagar e contornou a escadaria, sempre atento ao criminoso que dominava a balconista. Em determinado momento, quando a atenção do criminoso estava voltada para os policiais, se atirou sobre ele.

A refém fugiu, mas o criminoso se desvencilhou e Silva foi atingido na cabeça por dois tiros. O morador de rua parou, já sangrando, de pé a cerca de dois metros do criminoso. Antes de cair na frente de uma das portas de madeira da igreja, pôde ver seu atirador ser alvejado por 18 tiros de policiais militares. O criminoso encostou na parede e sentou. Lima voltou para a porta da igreja e ficou ali. Aos poucos, ele desabou e morreu.

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O tumulto paralisou a Praça da Sé até meados da tarde. O local ficou cercado por viaturas policiais. “Fiquei observando tudo escondido. Foi uma cena horrível. Ele estava arrastando a mulher pelas escadas e o morador de rua apareceu e tentou segurá-lo. Ele salvou a moça”, contou o vendedor Erick Aparecido Mello Laureano, de 30 anos, que presenciou a ação.

A perícia técnica foi à praça para fazer um laudo sobre a cena do crime. Os policiais militares e o guarda-civil metropolitano se apresentaram como autores dos disparos ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde o caso foi registrado. Eles entregaram suas armas para serem periciadas. A Polícia Civil entendeu o caso como um homicídio, praticado por Silva, e um caso de morte decorrente de intervenção policial praticada pelos PMs e pelo GCM. A arma de Silva também foi apreendida.

Boatos. A Catedral virou um dos temas mais comentados do Twitter e os comentários e boatos não pararam. Se falava desde saidinha de banco até briga de namorados. A única sobrevivente capaz de relatar o que ocorreu só sofreu um ferimento no olho, decorrente do golpe dado com a chave de fenda. Ela ainda se queixou de dores na cabeça, antes de ser levada à Santa Casa de Misericórdia, onde permaneceria por duas horas, antes de ser liberada para dar seu depoimento à polícia.

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Antes disso, porém, sentou-se na escadaria onde também estavam os dois mortos. A chave de fenda com que foi agredida e a arma com que foi ameaçada estavam caídas ao lado de seu salvador. Ela também não o conhecia.

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