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Teorias & manias

Por Humberto Werneck
Atualização:

1.Você é um pescoço forte ou um pescoço fraco

?

Enquanto confere no espelho, saiba que essa questão andou ocupando os miolos de alguns dos mais respeitáveis escritores brasileiros. Gente como Manuel Bandeira. Vinicius de Moraes. O grande memorialista Pedro Nava. O refinado ficcionista Aníbal Machado.

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Quem se saiu com essa, conta Bandeira, foi Nava, que, sendo também médico, conhecia de sobra a anatomia humana. Ou teria sido Aníbal, como afirma Vinicius? Não importa. Um dos dois (ambos mineiros, o que pode não ser simples coincidência), viajando de ônibus pelo Rio de Janeiro, habituou-se a observar a nuca do cidadão aboletado à frente. (Pensando bem, talvez o observador de pescoços não fosse tão mineiro assim, pois um montanhês legítimo haveria de preferir o espetáculo da praia). O fato é que, sacolejando entre a Cinelândia e a zona sul, lá ia o fulano a catalogar: forte, fraco, fraco, forte... O que interessava, nessa investigação, não era a eventual beleza ou feiura do istmo de carne e osso que liga a cabeça ao tronco, e sim o que podia ter ele de revelador acerca da psicologia de seu proprietário.

Bandeira adorou a sacada e cuidou de registrá-la: "Há umas pessoas de pescoço delicado com os tendões visíveis e alguns ralos cabelos, ao passo que em outras o pescoço é musculoso ou pelo menos enxuto, de cabelo rijo e bem implantado". As primeiras, portadoras de uma fraqueza também moral, titubeiam ante a mais trivial decisão a tomar. Se alguém entra no ônibus e permanece de pé, embora haja um assento vago, nem é preciso conferir a bitola: trata-se, seguramente, de um "pescoço fraco". Será preciso, diz Bandeira, que um "pescoço forte" lhe diga: tem um lugar ali. Mesmo apaixonado, corre o risco de morrer avulso, tamanho é o pavor que tem de declarar-se à amada.

A teoria, nascida nos anos 30, dificilmente seria formulada nos dias de hoje, e não apenas porque a elevação do espaldar das poltronas vai toldando as nucas. Em cidades como o Rio e São Paulo, onde a violência costuma viajar de ônibus, a prudência, em matéria de pescoço, recomenda preocupar-se mais com a preservação do nosso e menos com a contemplação do alheio. Mas me permita insistir: e o seu, é forte ou fraco?

2. Aquele ali (pescoço forte ou pescoço fraco?)

tem horror a mesquinharias. Se arrepia todo à simples ideia de aproveitar resto do que quer que seja - nenhum espetáculo humano é mais desprezível, sentencia, do que o sujeito aplicando toda a força dos polegares num beliscão patético para extrair o que ainda possa jazer no exaurido tubo de pasta de dente.

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Aos desavisados, suas implicâncias podem dar a impressão de que se trata de um magnata. Quem lhe dera! O saldo bancário é de classe média, tendendo a média-baixa - mas sua etiqueta mandar enjeitar alguma coisa, qualquer coisa, ainda que seja o último naco de camarão, num gesto que, além de desapego, a seu ver denota elegância e finura. Em casa, num apertado fim de mês, ele até admite traçar um mexidinho, desde que não haja estranhos à mesa e que a gororoba não se faça à base de sobras de refeições pretéritas: exige que se cozinhe expressamente cada componente dessa "mixórdia brasileira", como costuma dizer, para só então misturar. No escritório, já apostrofou um colega flagrado na operação de esquentar a ponta da caneta esferográfica, a fim de amolecer a tinta e ordenhar uma última gotícula.

Em alguns casos, é verdade, não lhe falta razão quando reage indignado ao que considera sovinice. Aquela sua irmã, por exemplo, que à noite anda em braille pela casa para poupar energia elétrica, que disfarça na salada a folha já meio escurecida de alface e que foi vista lavando o coador de papel para mais um café. Pior que todos, o cunhado que reutiliza o fio dental. Numa roda de amigos, mais de uma vez, vendo circular um baseado, ele invectivou o grupo, não por fumar maconha, mas por "fazer boca de anão" - expressão com que designa o ato de franzir os beiços, dando-lhes o aspecto de um circular código de barras, no esforço de queimar até o fim a bituca da bituca.

Pescoço fraco é que não é.

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