'Temos de evitar alguma romantização nesse movimento’

Para antropóloga, ação da polícia e liminares dos shoppings potencializaram os 'rolezinhos'

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Por Laura Maia de Castro - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Rosana Pinheiro-Machado, professora de Antropologia do Desenvolvimento na Universidade de Oxford, estuda a relação entre os jovens da periferia e os shoppings desde 2009 e acredita que a reação da Polícia Militar aos chamados "rolezinhos" e a concessão de liminares aos centros comerciais potencializaram um movimento que já existe há mais de uma década, mas que tem se transformado em um fenômeno.

Como você define o rolezinho?

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Na origem, é um movimento juvenil de adolescentes de 15 a 18 anos, que há mais de uma década se reúnem em grupo para dar um rolê no shopping. É um movimento da periferia, no qual os jovens se vestem bem, se apropriam de marcas globais e de símbolos da sociedade capitalista.

Por que tanta adesão desde dezembro?

É difícil definir qual foi o "turning point", o porquê. Eu acredito que houve influência dos movimentos de junho do ano passado e desse momento da sociedade brasileira, mas não sei em que grau. O fato é que a gente está vivendo em uma sociedade que tem protestado muito mais. Dá uma nova dimensão, com as redes sociais.

Mas já tinha cunho político?

Não importa o tamanho da intencionalidade, mas o ato é sempre político, porque tem a questão do direito à cidade, o direito de ir e vir e estar bonito. Bonito, no sentido de estar nos padrões da sociedade. Mas a politização muda após a repercussão na mídia. Os jovens do Brasil estão vendo essa repercussão do preconceito e, embora eles sempre tenham sentido na pele, isso torna o movimento mais político.

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A reação da PM potencializou?

Potencializou muito porque faz com que as pessoas tenham noção do que está acontecendo, do tamanho e da dimensão do preconceito.

E as liminares?

Sim, porque se você proíbe e mostra um sistema de apartheid as pessoas vão reagir. Rolezinho original não era um movimento social contra o racismo, era um movimento de meninos jovens que queriam se divertir. Mas a questão do racismo está em todas as entrevistas que realizamos (em conjunto com a pesquisadora Lucia Scalco), porque esses jovens diziam "A gente vai se arrumar senão somos vistos como pretos bandidos".

O que você acha da apropriação dos rolezinhos pelos movimentos sociais?

Incrível. O rolezinho é um movimento de periferia que vem "de baixo para cima". Mas temos de evitar alguma romantização: esses jovens estavam querendo se divertir, mas tiveram esse direito barrado. Isso gerou uma revolta dos movimentos sociais e dos intelectuais. Dependendo de como a polícia reagir, vai se ampliar.

E como reage a sociedade?

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Os principais comentários contra são "Por que essa bandidagem não vai trabalhar?". Se você pensa em um adolescente da elite, você vai pensar ele em um shopping, em uma festa, e não mandando capinar. É muito cruel essa ideia. Mas há muito apoio também. O rolezinho é um dos movimentos mais importante dos últimos tempos no Brasil, porque dividiu a sociedade brasileira. Ou se apoia a meninada ou odeia o rolezinho e chama de bandidagem.

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