Tavares, o astrônomo de Artur Alvim

Após 17 anos de tentativas, professor da rede pública realiza sonho de construir em sua casa, na zona leste, um observatório com cúpula, lunetas e telescópios

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Por Fabio Mazzitelli
Atualização:

No namoro, o professor de Ciências e Biologia Antonio Carlos Tavares, de 48 anos, tinha o hábito incomum de levar uma luneta aos passeios noturnos que fazia com a futura mulher, Naíza. Vinte anos depois do casamento, o dia a dia familiar é acompanhado por três lunetas, cinco telescópios, uma cúpula formada por oito chapas metálicas e uma série de oculares, espelhos refletores e acessórios astronômicos que se integraram de vez à vida do casal na forma de uma casa-observatório, finalizada no mês passado em Artur Alvim, zona leste da capital.Na parte debaixo do sobrado, funciona um pequeno comércio de roupas escolares comandado por Naíza Tavares, de 48 anos. Na entrada lateral da residência, uma escada de concreto dá acesso à laje na qual foi instalada a cúpula com quatro metros de diâmetro, que delimita a área interna do Observatório Astronômico Albert Einstein - homenagem do professor ao físico alemão. Além do casal, vive na casa-observatório a filha caçula deles, Luana, uma estudante de 14 anos batizada com nome de astro.A família foi construída em torno do sonho do professor de conhecer melhor os corpos celestes e mistérios do espaço sideral. E a construção do observatório em casa foi o caminho natural para unir as paixões de Tavares. "Desde o namoro, era assim: quando o céu estava bonito, a gente renunciava ao passeio (para observar). A não ser que o passeio proporcionasse a mesma coisa. Ele sempre preferiu comprar uma ocular a um sapato", conta Naíza. "E tenho orgulho do que ele faz. Meu sonho sempre foi encontrar um homem inteligente, que tivesse como único vício o estudo."Conhecido por amigos e alunos mais próximos como Tom, Tavares é professor de Ciências e Biologia de turmas do ensino fundamental e médio de escolas estaduais da região. Na USP Leste, faz um curso de pós-graduação para o ensino de Astronomia. Dos colegas de USP, diz que só recebeu incentivos para erguer o observatório sobre a casa onde vive desde a infância. Foi ali que, décadas atrás, ele morou com a mãe, que sempre rotulou seu sonho astronômico como "loucura".Primeira tentativa. A primeira iniciativa para construir um observatório astronômico amador ocorreu em 1994, quando a filha mais velha do casal, Ana Gabriela, ainda era bebê - hoje a primogênita tem 19 anos, está casada e tem uma filha de dez meses. "Naquela época, sofremos bastante, porque todo o salário dele como professor ia para construir a cúpula", lembra Naíza.Inicialmente, Antonio bancou a construção do observatório em um shopping do bairro. Foi lá que o professor ajudou os frequentadores do local a visualizar o cometa Hale-Bopp, em 1997. Mas o centro comercial faliu no ano seguinte e amigos do professor o ajudaram a levar os equipamentos astronômicos para casa, inclusive as oito placas metálicas e a estrutura de ferro da cúpula. Dez anos depois, com as duas filhas já adolescentes, Antonio resolveu levar adiante a solução caseira."Visitei muitas universidades e, infelizmente, não aprovaram o projeto. Então pensei: vou fazer em cima da minha casa mesmo", conta o professor, emendando em seguida: "Cada louco com a sua loucura".No Brasil, segundo contagem feita pelo site Uranometrianova (www.uranometrianova.pro.br), há 82 observatórios astronômicos. Vinte nove deles estão ligados a universidades ou faculdades, públicas ou privadas. Outros são públicos (20) ou pertencentes a escolas e colégios (12). Localizada a 18 quilômetros do centro da capital, a casa-observatório de Artur Alvim está listada como um dos 21 observatórios particulares do País. Trabalho manual. Com salário mensal girando em torno de R$ 2 mil, Tavares calcula ter gasto ao longo dos últimos 20 anos cerca de R$ 10 mil na empreitada. Algumas montagens (suportes) de telescópios foram feitas por ele mesmo, em um trabalho artesanal norteado por dezenas de livros de Astronomia que guarda ao lado de um pôster de Einstein. "Não quero prêmio Nobel nem fama. Quero mostrar o céu e passar o pouco que sei para essa garotada. Quero que a Ana Clara, minha netinha, aprenda tudo", diz o professor. "É um trabalho sem fim."Por enquanto, o astrônomo organiza de forma experimental pequenas sessões para parentes, amigos e alguns estudantes em sua casa-observatório. Sua ideia é abri-la para interessados nos fins de semana - mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2047-0524. Mas ainda não está definido se haverá cobrança para observar o céu. "Quero usar esse espaço para que as pessoas tenham outra visão sobre o mundo", resume Tavares. "A observação abre a cabeça e pode fazer as pessoas pensarem diferente e valorizarem mais a Terra, que é única."

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