Summit Mobilidade: pandemia acelera reflexões sobre redução de distâncias

Diminuição do trajeto até o trabalho, home office e aproveitamento do espaço urbano foram debatidos em evento promovido pelo Estadão

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Por Paula Felix
Atualização:

A discussão sobre um modelo de cidade que permita que as pessoas façam curtos trajetos para ter acesso ao trabalho e a serviços, podendo substituir o tempo no trânsito por momentos de lazer ou com a família, norteou o terceiro dia do Summit Mobilidade Urbana, realizado nesta quarta-feira, 19, de forma digital. A programação completa do evento, que tem inscrição gratuita e segue até a sexta-feira, 21, está disponível no site summitmobilidade.estadao.com.br.

O conceito debatido por especialistas da área no evento, promovido pelo Estadão, foi o de "cidade de 15 minutos", a partir de exemplos de como a proposta foi implantada em Paris e de ideias de como fazer com que os cidadãos possam percorrer distâncias menores em cidades brasileiras, assim como ter uma cidade pensada para ser amigável com pedestres e ciclistas, com menor circulação de automóveis e mais áreas verdes.

Discussão nesta quarta-feira foi sobre home office e aproveitamento do espaço urbano Foto: Reprodução/ Facebook

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A revisão do Plano Diretor, iniciada no fim do mês passado, foi o ponto de partida para a discussão de iniciativas que podem ser adotadas a partir das necessidades notadas na pandemia e para o pós-pandemia não só em São Paulo, mas em outras cidades do País.

"É uma discussão sobre os fluxos, questões como o teletrabalho e delivery, reforço da economia local. Não se pode falar de mobilidade só no contexto de prover transporte. A discussão de mobilidade tem de passar por uso e ocupação do solo, diminuir distâncias, como levar mais trabalho para as áreas periféricas da cidade, ciclovias, calçadas, política habitacional, debates sobre novas tecnologias e como estão ligadas à agenda ambiental. Temos de integrar diferentes atores e olhares inovadores para a cidade", enumera Larissa Campagner, diretora de Desenvolvimento da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, Prefeitura de São Paulo (São Paulo Urbanismo).

Diretor do Instituto Urbem, Gustavo Partezani Rodrigues afirma que a proposta é mais desafiadora para grandes cidades. "A mobilidade e o tamanho da cidade são diretamente proporcionais. São Paulo não é igual em todas as porções. Em cidades médias e pequenas é menos desigual, porque dá para estabelecer outros padrões de tipologias urbanas e ofertar condições e suporte de infraestrutura para que as pessoas se desloquem."

Segundo ele, o Plano Diretor de São Paulo é único, mas "as cidades são diferentes na nossa cidade". Assim, não é possível pasteurizar soluções. "Temos de olhar as especificidades e relações precisas da cidade, seja no centro ou na periferia." A redução do trajeto casa-trabalho e um planejamento da cidade com projetos de habitação em regiões centrais são essenciais para trazer qualidade de vida para as pessoas e diminuir os deslocamentos utilizando carros que, geralmente, transportam apenas uma pessoa.

"Se a gente analisar o centro expandido de São Paulo, há clara dissociação entre localização do emprego e da moradia, que é extrema. O centro concentra 64% dos empregos e, em habitação, 17% da população. São cinco milhões de empregos preenchidos pela população espalhada em todos os cantos e algumas demoram de duas a três horas para chegar no emprego. Das 44 milhões de viagens que a região metropolitana cria todos os dias, 50% estão relacionadas ao deslocamento casa-trabalho. Trabalhar entre a localização do emprego e da residência vai determinar a dinâmica urbana", diz Alejandra Maria Devecchi, gerente de Planejamento Urbano da Ramboll Brasil.

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Uma solução apresentada por ela seria a reforma de escritórios da década de 1950 nas regiões da Sé e da República, na região central, que estão sendo usados até como depósitos por não se encaixarem no perfil de locais de trabalho da atualidade, e transformá-los em unidades habitacionais.

"Teria a oportunidade de produzir 100 mil unidades por meio de política habitacional de reforma. Tem ainda o Arco Tietê, que tem espaços com concentração de áreas vazias. Se somar essas duas regiões, teríamos 2 milhões de habitantes. Somando aos 2 milhões já existentes, chegaríamos perto dos 5 milhões que trabalham nessa região."

A diretora de Desenvolvimento da São Paulo Urbanismo diz o projeto do Arco Tietê está sendo revisitado e que a requalificação de imóveis não é descartada, mas ela envolve desafios. "São questões vão além das reformas. Há entraves legais, projetos estratégicos, operações urbanas."

Cidade de 15 minutos

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O desenho da cidade de 15 minutos e suas consequências para a população foram apresentados a partir do exemplo da capital francesa por Carlos Moreno, professor associado na Universidade de Paris Pantheon Sorbonne.

Ele conta que o conceito está se tornando cada vez mais popular no mundo e que, além de qualidade de vida para as pessoas, o modelo pode reduzir a emissão de carbono. A pandemia de covid-19, segundo ele, entrou como um elemento para intensificar essas ações.

"A convergência entre mudanças climáticas por um lado e a emergência da covid do outro desenvolveu a necessidade de proposta de uma nova narrativa urbana. A consequência da cidade de 15 minutos é um poderoso desenvolvimento de uma cidade sustentável. O mais importante é que nós perdemos nosso tempo útil e precisamos pensar em um novo paradigma, precisamos mudar a segmentação do nosso desenvolvimento."

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De acordo com Moreno, a união de quatro pilares pode ajudar uma cidade a ser mais sustentável, mantendo ainda o foco nas questões sociais e econômicas, que também impactam na mobilidade.

"São eles: a ecologia, a proximidade, a solidariedade, para desenvolver um link forte com pessoas vulneráveis, crianças e para desenvolver real igualdade de gênero, e o quarto pilar é o empoderamento, para que os habitantes possam transformar nossas praças, jardins e espaços."

A pandemia, segundo ele, traz uma oportunidade para propor mudanças. "Hoje em dia, nós aceitamos o inaceitável: a poluição do ar, usar o transporte público em péssimas condições. Podemos reinventar uma cidade policêntrica, implementar uma forma poderosa e ambiciosa para aumentar e espalhar por todos os distritos todas as possibilidades para acessar múltiplos serviços. Estamos vivendo uma importante mudança no estilo de vida no trabalho por causa da covid com a proposta de descentralização do trabalho corporativo. Há uma possibilidade de transformar."

Desigualdades sociais

A pandemia intensificou as desigualdades sociais e mostrou, com mais nitidez, problemas a serem combatidos nas cidades. Das grandes distâncias percorridas aos riscos que mulheres correm ao precisar se locomover passando pela necessidade de investimentos em outros modais, como a bicicleta.

Haydée Svab, cientista de dados e pesquisadora em Mobilidade Urbana e Cidades Inteligentes, diz que as mudanças em mobilidade devem considerar, além do transporte, políticas de saúde e de educação, porque elas também interferem no trajeto das pessoas. As diferenças de mobilidade entre homens e mulheres são importantes para esse processo.

"As mulheres acabam indo para o mercado, são cuidadoras de crianças e idosos. Com as crianças em casa, por causa da pandemia, a função do abastecimento do lar e dos cuidados se intensificaram, mas as mulheres ganham menos, dispõem de menos recursos e foram as que mais saíram do mercado de trabalho, então, têm menos renda para se deslocar. Ainda temos os problemas de assédio das mulheres e falta de segurança."

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Esse cenário inspirou a 99 a criar um guia de conduta e a incentivar que queixas sejam realizadas por motoristas e passageiros da plataforma.

"Estamos presentes em 1,6 mil cidades e 59% das ocorrências são de assédio, racismo, agressão verbal. Entre os casos, 23% são de assédio sexual. Temos 700 pessoas banidas na plataforma por semana por assédio. São motoristas e passageiros e nós reforçamos a importância de denunciar", diz Pâmela Vaiano, diretora sênior de Comunicação e Responsabilidade Social da 99.

Tainá de Paula, vereadora do Rio de Janeiro pelo PT, diz que a pandemia, que agravou o quadro de vulnerabilidade principalmente da população negra, é um momento para remodelar as cidades.

"Pensar nas áreas de reconstrução da cidade tem a mobilidade como peça-chave. Se a gente puder fazer um apagão, no que se refere à mobilidade, para poder começar de novo, o momento é agora."

E a participação da população é fundamental. Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setubal, mostrou um projeto realizado no Jardim Lapena, na zona leste da capital, que contou com a participação ativa dos moradores, mobilização em grupo que integrou os participantes e lhes deu a oportunidade de pensar alternativas para resolver problemas antigos, como alagamentos em períodos de chuvas. "A ideia é de que a melhora seja contínua até para ser reproduzida por outros territórios."

Fundadora e pesquisadora da Multiplicidade Mobilidade Urbana, Glaucia Pereira abordou a necessidade de investimentos para incentivo de alternativas para evitar aglomerações, mesmo no pós-pandemia, caso da bicicleta.

"A pandemia trouxe essa nova característica de trazer segurança sanitária e a pauta da não aglomeração é evidente desde 2020. A bicicleta também pode ser usada para evitar uma parte do transporte coletivo, por isso, é importante investir em bicicletários." Segundo ela, há 33 mil bicicletas no Brasil. Estacionamentos subterrâneos

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Mesmo diante de um cenário com pequenos trajetos e uso de modais como bicicleta e transporte público, os carros vão continuar tendo a sua função. Ainda dentro do conceito de cidade de 15 minutos, esses veículos não ficam parados nas ruas e os estacionamentos ganham versões subterrâneas em espaços que oferecem serviços, como lojas.

O exemplo dado no evento também vem de Paris. "A gente tem um longo caminho a percorrer. Paris começou o movimento de estacionamento subterrâneo desde os anos 60 e 70 e está trazendo o conceito de que cada estacionamento seja uma pequena cidade para prover o que as pessoas estão precisando. Há um custo maior, tem a questão da arquitetura e, na França,há programas de incentivos financeiros, licitações de 70, 100 anos", explicaThiago Piovesan, CEO da Indigo Brasil. A empresa assumiu o estacionamento do Parque do Ibirapuera em novembro do ano passado e já projeta soluções que possam ser implementadas no local.

"Muitos desses conceitos, a gente quer aproveitar, tropicalizando as soluções e dando dinamismo, como carregamento elétrico para os carros do futuro, alocação de espaço para criar área de lazer e serviço, uma atividade médica foi colocada, parceria de carros elétricos compartilhados para oferecer a conexão de diferentes modais de mobilidade para oferecer o estacionamento do futuro no Brasil."

E ter veículos elétricos é algo possível nas cidades brasileiras. "As pessoas pensam que mobilidade elétrica é coisa de nicho, mas a gente fala de um ingrediente importante nesse repensar da cidade. Temos tudo para que a mobilidade elétrica faça parte da cidade. Tem um custo, mas o custo de não fazer nada é muito pior.Tem de ter um planejamento e eletrificação do transporte público, não é só uma questão de tendência", afirma Marcus Regis coordenador executivo da Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME).

Diretor de Comunicação e Desenvolvimento Sustentável do Grupo Indigo, Benjamin Voron completa que o modelo de estacionamento subterrâneo também pode ser desenvolvido para se conectar com estações de metrô, shoppings e outros tipos de estabelecimentos.

"Nós precisamos dar mais espaços para os serviços e para novas soluções também. Gostaríamos de criar mais serenidade e paz para as cidades para estarmos próximos das vizinhanças e ter cidades com menos poluição."

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