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'Sou o último que sobrou em 16 anos aqui'

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Por Redação
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Terça-feira (dia 10). Passei toda a madrugada no fluxo (aglomeração de usuários). Cheguei de manhã na Cristolândia (missão da Igreja Batista) e dormi um pouco. Peguei o culto, tomei o banho, ajudei as pessoas que estavam procurando auxílio. Almocei e, logo depois, fiquei mais um tempo por aqui dando atenção para quem vinha buscar ajuda. Passei a tarde descansando, esperando a noite. Voltei para o fluxo às 22h, e aí começou a nossa guerra com a polícia. Eles avançam com a viatura para cima e a gente é obrigado a seguir um caminho. Já até dividimos o fluxo para dificultar para eles.

Quarta-feira (dia 11). Fumei oito pedras na madrugada. Cheguei por volta das 6h na porta da Cristolândia e esperei o culto, às 9h. Tomei o café logo depois. Também fiz a minha higiene e depois ajudei o pessoal. À tarde, fiquei descansando. Esse é o meu horário da reflexão, da oração e da higiene.

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Achei uma carteira com R$ 135 no chão, na Rua Eduardo Prado, já no começo da noite. Eu já tinha duas pedras e comprei mais três. Com o dinheiro, consegui pagar o pernoite de R$ 35 em um hotel, e convidei uma das meninas mais bonitas que ficam no meio do fluxo para passar a noite comigo lá. Tirei mais R$ 7 para o vinho, um pouco para o cigarro e outro tanto para a pizza. Depois, resolvi sair para o fluxo de novo.

Quinta-feira (dia 12). Durante a madrugada, eu fumei 17 pedras. À tarde, almocei, fiz minha oração e o curativo na minha mão, porque o cachorro me mordeu no começo da semana. Na gentileza, acabei emprestando o cachimbo para outro cara fumar a pedra. Ele estava com a boca suja de sangue. Limpei e queimei com o isqueiro para desinfetar. Mas fiquei receoso e resolvi trocar o cano do cachimbo. Liberaram o fluxo a noite inteira e foi para lá que eu fui.

Sexta-feira (dia 13). Na madrugada, muita gente que estava desaparecida voltou para o fluxo. Teve muita briga e confusão. Estava tudo liberado e desconfiei que era alguma armação. Estava pressentindo que alguma coisa ruim iria acontecer. Saí antes que a PM chegasse e fui para a Cristolândia.

Já cheguei a fumar 300 pedras em dois dias. Gastei vários isqueiros naquela vez. Entre idas e vindas, estou há 16 anos na cracolândia. Mais da metade da minha vida. Dos que conheci por aqui, acho que sou o último que sobrou, o fio da meada. Fechei um propósito comigo mesmo. Já trouxe 13 pessoas para a Cristolândia. Quando conseguir 30, eu me interno.

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