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Solidariedade, um caminho para vencer a droga

Centro de recuperação no interior aposta na convivência voluntária

Por Pablo Pereira
Atualização:

Um é mineiro, José da Paixão Pena, de 60 anos, 11 filhos, catador da laranja na safra e marreteiro na entressafra na região de Taquaritinga, a 344 km São Paulo. O outro é paulista, Anderson Ferrari Lavraldo, de 32 anos, nascido de família de boa renda na vizinha Ribeirão Preto, sem profissão definida, separado, e uma filha de 6 anos. Com histórias de vida bem distintas, o sofrido boia-fria, também conhecido por Dedé, dependente de álcool, e o jovem urbano de bom poder aquisitivo, ex-usuário de crack, dividem com sucesso uma experiência de recuperação por meio da convivência voluntária em um grupo de 40 moradores da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, instituição de desintoxicação de drogas do interior de São Paulo.Na semana anterior ao Natal, Anderson e Dedé adicionaram mais uma tarefa a suas rotinas pessoais de luta contra a dependência química: a da solidariedade com o paulistano P.G.S., de 29 anos, morador da zona norte de São Paulo, recém-chegado ao interior paulista em busca de uma saída para a contaminação por álcool, crack e remédios.Ainda em fase de adaptação na chácara de 49 mil m2, na Rodovia Dr. Horácio Ramalho, área rural da Taquaritinga, P.G.S. não fala sobre o tratamento. Segundo o diretor do Horto de Deus, Fabricio Guidolin, de 37 anos, o rapaz passa por um período de 30 dias no qual os internos ficam sem visitas ou contatos com o exterior. "Este período é difícil para muitos residentes", diz o diretor, que é psicólogo. "O importante é que a adesão é voluntária e ele está disposto a fazer o tratamento", explica Guidolin.Solidariedade. Trabalhando como monitor do Horto nos últimos dois meses, o ex-interno Anderson, um jovem falante que não se importa de comentar seu drama, não tem dúvidas sobre a relevância da solidariedade dos colegas nos momentos difíceis da abstinência, principalmente no início do tratamento, como é o caso de P.G.S., que já esteve em outras clínicas e agora se prepara para 9 meses de tratamento.Anderson também já passou por esses momentos críticos. Há seis anos foi internado pela família durante uma crise. "Faz dois anos que estou limpo", diz o rapaz. Livre dos efeitos do crack, consciente da necessidade de se manter longe das drogas, foi chamado para trabalhar como monitor e se diz empolgado com a oportunidade de ajudar os colegas. "Eu também passei por outras comunidades. Aqui fui tratado com dignidade, respeito. Aí fui me reencontrando, aceitando minha doença."Como ele, o catador de laranjas Dedé é outro que comemora novos tempos e poderá servir de apoio ao novato de São Paulo. Contando os dias para a sua visita mensal à família no bairro Vila São Sebastião, em Taquaritinga, Dedé cata ervas daninhas da horta do Horto, construída na parte baixa da chácara, enquanto relembra das dificuldades que o levaram à desintoxicação.Salvo pelo filho. "Quem me salvou foi o meu filho mais velho, que me trouxe para o Horto", explica Dedé, lembrando que por anos abandonou a família para se entregar à bebida. Hoje longe do álcool, mas com problemas cardíacos e sem forças para enfrentar o serviço pesado da colheita - ele produzia 180 caixas de laranja por dia -, revela que levava a bebida na mochila para a lavoura. Ao lado do boia-fria, limpando um canteiro de mudas, outro trabalhador rural, Fernando Geraldo Silva, de 23 anos, em tratamento por dois meses, entra na conversa. "Eu catava laranja com ele", diz Fernando, que ajuda Dedé na limpeza do canteiro cultivado pelos residentes como parte da terapia. "Ele era pinga; eu, cocaína", emenda Fernando. Dedé prossegue: "Eu tirava R$ 180 por dia. Gastava tudo na pinga". Com objetividade dramática acompanhada por uma ponta de troça, Dedé resume: "Era o tratamento aqui, ou o caixão".Segundo o diretor de Tratamento do Horto, a entidade foi fundada em 1996, com base na adesão voluntária. Foi dirigida pelo fundador, Leo de Oliveira, que morreu em maio de 2011. O próprio Guidolin foi residente do Horto em 2004 e 2005, quando fez tratamento de dependência química. Hoje dedicado ao serviço, o psicólogo explica que são admitidos somente homens com mais de 18 anos, que queiram fazer a desintoxicação. Guidolin diz que há casos de residentes que abandonam a chácara sem terminar o período inicial de 9 meses. Porém, na semana anterior ao Natal, destaca o diretor, o Horto comemorava três meses sem desistências. De acordo com Guidolin, o terreno da Comunidade foi uma doação da prefeitura de Taquaritinga. O Horto de Deus abriga 11 residentes custeados pelo município como "vagas sociais". De acordo com a ex-secretária de Saúde de Taquaritinga Ângela Maria Martins, o trabalho do Horto é reconhecido na comunidade e apresenta bons índices de recuperação (53% dos residentes concluem o tratamento de 9 meses e vão além de dois anos de abstinência, segundo o diretor de Tratamento da instituição). Ela argumenta que para as vagas sociais a prefeitura só envia pacientes cujos casos são analisados no grupo de voluntários Amor Exigente, organização que atua no município.Os demais internos pagam pelo tratamento de acordo com estudo de cada caso, explica o diretor do projeto. Guidolin afirma que opera com quatro pilares: disciplina, conscientização, laborterapia e espiritualização. "O quinto pilar é a família."Em meio aos canteiros de verduras da chácara, o interno Dedé diz que o começo do tratamento é bem difícil. Mas que, com o passar dos dias, se acostuma com a convivência e o tratamento. "Com quatro meses na chácara tem o direito de ter uma saída por mês. A minha próxima saída vai ser no dia 4 de janeiro", adianta Dedé. Ele aguarda a data tranquilo, e conta que já foi recebido novamente em casa. Dedé diz que é hora de seguir vida nova. "O erro foi meu. Mas Deus me ajudou."

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