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Só seis meses para cuidar do filho, em uma cela

Como vivem as mães de Tremembé 2, prisão adaptada para elas

Por Vitor Hugo Brandalise , , TEXTO e FOTOS
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São bebês saudáveis, que pesam entre 3 e 6 quilos. Têm de 26 dias a 4 meses de idade e acordam às 6 horas para mamar. Vivem ao lado das mães, 24 horas, todo dia. Nasceram em cidades do Vale do Paraíba e logo foram levados para casa: vivem os primeiros dias de suas vidas dentro da cadeia, junto com as mães presidiárias. Entre novembro e janeiro, as crianças completam 6 meses - é quando mãe e bebê, obrigatoriamente, terão de se separar.A Penitenciária Feminina 2 de Tremembé, a 133 km de São Paulo, foi o primeiro presídio do Brasil com projeto arquitetônico adaptado para mulheres - tem atendimento específico a presas que acabam de dar à luz, por exemplo. Desde a inauguração, em abril, dez bebês nasceram em suas instalações. Vivem hoje na "área de amamentação", maior melhoria sobre outros presídios do Estado. Pela primeira vez, uma equipe de reportagem teve acesso ao local.Comparada a outras unidades, pode ser considerada luxuosa: tem banho quente, berço novo, roupa de cama nova, brinquedos novos. Mas, para as mães, isso tudo simboliza também uma inevitável separação. Seis meses é o tempo que as crianças podem viver no presídio - o mínimo para amamentação, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o máximo definido em São Paulo pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). É também o prazo que toda presidiária sabe de cor.É quando expira o período que Fábio (todos os nomes de crianças são fictícios), de 4 meses, poderá ficar com a mãe, Poliana Oliveira Lourenço, de 23 anos. "Prefiro nem pensar. Passo o dia todo com ele, é meu amigo, meu companheiro, desabafo para ele, me conforto com ele. Tirá-lo de mim é pior do que ficar presa 20 anos", afirma Poliana, que responde por tráfico de drogas - como metade das 526 presas que hoje estão na P2 de Tremembé. "Mas tenho esperança. Cada vez que as grades verdes se abrem, penso que é meu alvará (de soltura) e vou sair antes de ele partir."Entre as mães com data marcada para deixar os filhos, o principal sentimento é angústia. "Cresce à medida que se aproxima a data. Elas ficam inquietas, choram muito", disse a diretora de reintegração da unidade, Ligia Toledo. "Muitas têm a primeira experiência de maternidade aqui. Com a vida que levavam antes, não davam atenção aos filhos. Aqui, elas ficam o tempo todo com eles e se apegam como nunca."Adoção. Há casos em que as mães sabem que vão perder o filho, mesmo depois de deixar o presídio - são as presas que, por não terem ninguém para cuidar dos filhos fora da cadeia, têm de encaminhá-los para a adoção. Após convívio direto e diário por seis meses, sofrem muito. "Ela mudou minha vida. E agora, vai ter de ir embora? Fico desesperada", disse Silvânia Aparecida da Silva, de 31 anos, com a filha Natália no colo. Antes de ir para a prisão, ela teve outros cinco filhos. "Mas foi com a Natália que percebi que posso ser uma pessoa melhor. Tomei essa decisão. E vou ter de ficar sem ela? Não sei o que fazer."As mulheres presas na área da amamentação vivem 14 horas por dia dentro das 12 celas - no caso, decoradas com adesivos de bichinhos, balões, parques de diversões, com camas novas, bichos de pelúcia, travesseiros e cobertores. "Quando a porta fecha (às 16 horas), a cabeça fica a mil. Olho para ele, começo a dar risada, a conversar. Mas cada vez mais, imagino a tristeza da separação ", conta Michele Fortunato, de 24 anos, mãe de Alexandre, de dois meses. "10 de janeiro, 10 de janeiro... a data que ele vai sair fica pregada na minha cabeça."Carência é outro sentimento comum - desta vez, em toda a prisão: das 526 presas, 15 receberam visitas íntimas nos últimos cinco meses. "Elas se sentem abandonadas. Então, incentivamos as visitas de outros familiares. Equipamentos como brinquedoteca e playground incentivam a presença da família", disse a diretora do presídio, Márcia Romero.Apesar dos serviços específicos - como escola e padaria artesanal -, para quem acompanha o sistema penitenciário, a iniciativa é tímida. "São dez vagas de amamentação para 500 presos. É pouco", disse a advogada Sonia Drigo, da coordenadoria da Pastoral Carcerária Nacional. "Já o presídio feminino de Santana, o maior do País, recebe centenas de presas grávidas do interior. A demanda é muito maior."Quando se aproxima a data de a criança partir, o atendimento psicológico aumenta. "Mas não tem jeito. Quando fico sozinha na cela, penso que é a história do meu filho que estou mudando", disse Jussenilda Nunes, de 28 anos, mãe de Samuel, caçula da amamentação. "Ele vai crescer e vai saber: nasci em uma prisão. Torço para que seja vencedor e sirva de testemunho de que a gente venceu."

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