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Sete décadas em 3 mil fotos da Vila Madalena

Historiador paulistano clicou vários locais e registrou as mudanças ocorridas no bairro

Por Edison Veiga
Atualização:

O tempo, as fotos e um bairro. Com esses ingredientes à mão, o historiador Eduardo José Afonso consegue contar - e mostrar - as mudanças atravessadas pela Vila Madalena nos últimos 70 anos. Ele é dono de um acervo de mais de 3 mil fotos do bairro, muitas delas uma repetição sistemática dos mesmos pontos e enquadramentos, separadas por décadas. Nascido paulistano em 1957, Afonso vive na Vila Madalena desde os 2 anos de idade - atualmente, divide seu tempo entre São Paulo e Assis, no interior do Estado, onde leciona na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Começou a fotografar o bairro em 1980, mas acabou "herdando" um valioso material produzido por um primo de segundo grau, Albino Pires, imigrante português que ganhava a vida como motorista. "Ele gostava de fotografia. Então era o fotógrafo da família", comenta o historiador. "Usava uma câmera caixão da Kodak. Registrava festas de aniversário, essas coisas. Mas acabou fazendo também algo muito interessante: registrando a paisagem do bairro, as ruas, as procissões religiosas, os jogos de futebol." Pires mudou-se para o Brasil no fim da década de 1930. Seus primeiros cliques são de 1940. Muito antes do processo de gentrificação - em que famílias pobres vendem suas propriedades e se mudam para bairros mais periféricos -, era uma Vila Madalena muito diferente da que existe hoje. Em vez de um agitado bairro boêmio, havia um clima de cidadezinha do interior, com pequeno comércio e muitos imigrantes, em geral portugueses. "Há fotos que mostram galinhas em um quintal, por exemplo", diz Afonso.Em 1980, quando concluía sua primeira graduação - antes de cursar História na Universidade de São Paulo (USP), ele se formou em Comunicação pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) - decidiu revirar o baú da família em busca das fotografias do primo. E refazê-las, registrando assim as mudanças de uma região. "Tinha uma vontade muito grande de usar o material como elemento de resistência à desumanização da cidade."Troca. A Vila Madalena daquele momento deixava de ser bairro pacato para começar a se transformar em uma efervescente região que une descolados e baladeiros. Saíam de cena os pequenos botecos para a entrada de requintados bares. Em tom de lamento, o próprio texto que Afonso apresenta ao lado do seu primeiro trabalho fotográfico documenta essa transformação. "A cidade não tem mais espaço para a vila. A vila dos portugueses, da padaria Brilhante, do campo de futebol, do bonde... Hoje tem muita gente diferente", escreveu. "Antigamente, todos se conheciam, era como uma cidade do interior... Uma cidade do interior dentro da já chamada metrópole."Afonso dizia que a vila estava sendo "descaracterizada e perdendo" o que tinha de melhor: "sua própria identidade". "Os culpados?", indagou, no texto. "Não há lugar para se encontrar culpados, quando se fala em progresso, em crescimento."O projeto, entretanto, não terminou aí. Afonso continuou fotografando a Vila Madalena, repetindo os endereços em 1984, 1985, 1986, 1990, 2000 e 2012. "São 30 anos de registros de transformações", comenta. Nos últimos anos, a boemia vem dando lugar a prédios comerciais em muitos pontos do bairro. Edifícios eram raros nos anos 1980. Parte do material foi exposta no ano passado, em evento fechado na USP. Mas Afonso pretende mostrar essas mudanças do bairro para um público mais amplo. O NOME* Nos anos 1920 o Sítio Boa Vista, do português Antônio Cardoso, começou a ser loteado. Daí surgiu a área onde hoje é a Vila Madalena. Inicialmente o local era habitado por lavradores portugueses e italianos que criaram chácaras. A atual denominação data dos anos 1950, com a fundação da capelinha para Santa Maria Madalena. A chegada dos ateliês e artistas ocorreu nos anos 1960. Expulsos da USP pela ditadura militar, universitários e artesãos aproveitavam os aluguéis baratos do bairro.

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