Sem-teto invadem e desmatam área de 38 mil m² à beira da Billings em SP

Terreno em Área de Preservação Permanente (APP) foi invadido há duas semanas por 350 famílias; dona da área, a Emae conseguiu a reintegração na Justiça

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:
Estrutura. Desmate aconteceu no fim de semana passado para construção de barracos; região é cercada por favelas Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

SÃO PAULO - Um terreno de 38 mil metros quadrados em área de manancial nas margens da Represa Billings, no Balneário São Francisco, zona sul de São Paulo, foi invadido há duas semanas por um grupo sem-teto. Boa parte do terreno, em área de preservação ambiental permanente, já foi desmatada para a construção de 350 moradias. A última invasão registrada na região havia sido em abril de 2015.

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O terreno pertence à Empresa Metropolitana de Água e Energia (Emae), estatal responsável pela represa. Na tarde de terça-feira, 26, a empresa obteve na Justiça um mandado de reintegração de posse. “Os relatórios de visita no local demonstram a escalada e a rapidez da ação dos invasores, mesmo diante da presença ostensiva da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana. Evidente, portanto, o cabimento e a urgência da medida liminar pleiteada”, afirmou o juiz Luiz Raphael Nardy Lencioni Valdez, da 6.ª Vara Cível de Santo Amaro, na sentença.

A maior parte do desmatamento aconteceu no último fim de semana. Começou na Estrada do Alvarenga, avenida que margeia aquela parte da Represa Billings, e avançou tanto na direção da represa quando no sentido oposto, abrindo uma clareira em uma das últimas áreas verdes da região, cercada por favelas. Com as clareiras abertas, os invasores lotearam o terreno, passaram fiação elétrica e estão erguendo barracos de madeira e lona. 

A área invadida compõe a mata ciliar da represa, local sem previsão legal de ocupação. Pela legislação municipal, o terreno é uma Área de Preservação Permanente (APP). “A Emae esclarece que os invasores estão impedindo o acesso dos técnicos da empresa ao local, assim, não tem informações sobre o tamanho da área devastada e a quantidade de invasores”, diz a empresa, por meio de nota. 

Um dos coordenadores da ocupação, Celio Joel Tiago afirma que o local foi escolhido por causa de supostas dívidas da Emae com a Prefeitura - a empresa não consta no cadastro de consulta da dívida ativa do Município, disponível nos site da Secretaria de Finanças.

Tiago nega que tivesse impedido o acesso de técnicos na área. “Só a polícia esteve aqui”, afirmou. O acesso do Estado ao local, entretanto, só foi possível mediante negociação. Dois homens portando facões acompanharam a equipe e não deixaram que fotos das áreas de desmate fossem feitas. “Não tem decisão nenhuma da Justiça, vocês estão mal informados”, disse, sobre a decisão de reintegração de posse. 

“Estamos cadastrando todo mundo, medindo os terrenos, repartindo aqui de forma organizada. Já estamos levando as mulheres grávidas até o posto de saúde, cuidando das crianças e vamos ficar aqui”, afirmou Tiago. Ele disse ser um dos coordenadores da Associação da Vila Esperança, entidade cujo presidente não disse o nome. “Vamos cadastrar todos aqui para incluir no Minha Casa Minha Vida”, afirmou a liderança, mostrando fichas xerocadas, preenchidas à mão, com cópia de documentos das pessoas que estão no local.

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O líder afirmou não ter vínculo com nenhum movimento de moradia tradicional. O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, confirmou a falta de ligação. “Ocupações são muito comuns naquela região, mas não são nossas”, afirmou. 

Agressivos. Há duas semanas, quando a invasão teve início, um grupo tentou erguer barracos em outro terreno, vizinho da área da Emae, que faz parte de um condomínio fechado, chamado Sete Praias. “Os seguranças disseram que teriam de ‘mandar bala’ neles, senão não iriam sair”, disse uma das integrantes da direção do condomínio. “Eles foram muito agressivos, principalmente com as pessoas que moram ao lado do terreno, mas saíram da área do condomínio”, afirmou. 

A Prefeitura informou nesta quarta-feira, 27, que faria uma reunião com membros da invasão e integrantes da Polícia Militar para definir a retirada dos moradores da área de preservação. Ainda não há data para que a ordem judicial seja cumprida. 

‘Estava desempregada e, por isso, decidi arriscar’

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“Estava desempregada, com a filha também desempregada, e não estávamos dando conta de pagar aluguel e comprar comida. Quando falaram da ocupação, decidimos arriscar”, conta Marlene Vaz da Silva, de 45 anos, uma das pessoas que invadiram o terreno em Área de Preservação Permanente (APP) da Represa Billings, na zona sul da capital.

Marlene contou que vem dormindo no barraco de lona e madeira, com fiação elétrica puxada por vizinhos, há duas semanas, e tem esperança de que possa ficar no local de forma definitiva. “Vamos ver o que dá. Eu não tinha condições, tenho netos pequenos. Precisava arriscar”, afirma.

Vários dos invasores com quem a reportagem conversou nesta quarta têm a mesma história, que começa com desemprego, passa pela alta de preços no comércio, aluguéis caros e endividamento. Tudo desemboca quase sempre em despejo do local em que viviam.

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“Eu estou desempregada, minha mãe, minhas irmãs. Só um dos nossos irmãos está trabalhando. Ele compra comida para a família inteira”, diz outra invasora do terreno, cujo nome não informou a mando dos coordenadores da invasão.

Lotes. O terreno da Emae está dividido em quatro lotes. No mais recente deles, na Estrada do Alvarenga, no lado oposto ao da represa, uma camada asfáltica já foi passada no chão, o que permite o acesso de carros. Nos lotes do lado do leito da represa, há apenas a construção das casas. As ruas ainda estão feitas de chão batido e passam ao lado de caminhos de água que cheira a esgoto e escorre em direção ao manancial. 

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