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Se o preço não é problema

Enquanto no distrito de Moema o m2 custa em média R$ 9,2 mil, na Cidade Dutra sai por R$ 1 mil

Por Edison Veiga
Atualização:

Vinte e cinco quilômetros separam dois mundos, diariamente vencidos pela corretora Fabrina Oliveira dos Reis. Ela dorme e acorda na Cidade Dutra - distrito da zona sul que tem, segundo o ranking do Estado, o m² mais barato para lançamentos residenciais de São Paulo (R$ 1 mil) - e trabalha em uma imobiliária que, ironia das ironias, atende a região de Moema, o m² mais caro (R$ 9,2 mil).Fabrina parece não se importar com o abismo financeiro que divide seu mundo do trabalho e de casa - um imóvel simples, amarelo de portões prateados, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, na tranquila Rua Serra Talhada, onde pela manhã pode ouvir passarinhos e o único barulho incômodo é o da musiquinha do caminhão de gás. "Faz 17 anos que vivo nesta região. É um bairro de classe baixa e a gente não espera muito, mas gosto porque conheço bem", diz, sorrindo, a moça de 21 anos.Dois ônibus - Terminal Santo Amaro e Princesa Isabel - a separam do outro mundo. Faz dois meses que Fabrina deixou o emprego em um supermercado perto de casa - era uma entre os 5 mil empregados dos 662 estabelecimentos de comércio varejista da Cidade Dutra - para tentar a vida como corretora. Primeiro, matriculou-se em um curso à distância, necessário para obter o registro da profissão. Graças às apostilas, aprende noções de arquitetura - "Já sei a diferença entre piso quente e frio, por exemplo" -, um pouco de Direito Imobiliário, a ética da profissão... Depois, conseguiu uma vaga em uma imobiliária bacana, que fica nos Jardins e atende bairros nobres - Vila Nova Conceição, parte de Moema e Vila Mariana, os próprios Jardins. "Quem vem de longe tem um choque quando começa", acredita a gerente Regiane Mougallàbie, que chefia a equipe de Fabrina, formada por 12 corretores. Até a semana passada, a jovem corretora ainda não havia conseguido concluir nenhuma venda. Como ganha por comissão - 6% de cada negociação fica para a imobiliária, que repassa 40% do valor recebido ao corretor -, isso significa que desde que decidiu mudar de emprego ela ainda não faturou nada. "Sei que é um trabalho de formiguinha, mas no fim dá para ganhar bem", afirma, com olhos esperançosos. "Sabe como é: às vezes você está lá, quase fechando, e o cliente vem e diz que achou outro imóvel, que não era bem assim..."A corretagem não era sua primeira opção. Fabrina fez curso técnico de Radiologia e pretende, sim, trabalhar na área, "mesmo que seja conciliando com as atividades de corretora". "Um dia ainda vou cursar a faculdade de Fisioterapia", sonha.E na hora em que a vida melhorar vai mudar de bairro? "Não pretendo", diz. "No máximo vou para perto de Interlagos, mas continuarei aqui, na mesma região." Preço. Corretores são unânimes na hora de analisar os motivos que levam o distrito de Moema a aparecer no topo do ranking do m² mais caro de São Paulo. "A estatística mascara. Neste caso, é porque o distrito de Moema engloba a Vila Nova Conceição. Ali é que é caro", explica Luiz Augusto de Almeida, diretor de imobiliária da região. "São vários os motivos que fazem um bairro custar mais que outro: facilidade de acesso, segurança, infraestrutura...", enumera Regiane Mougallàbie. "E não só: as pessoas bonitas também contam, né? Afinal, quem não gosta de sair de casa e ver gente bonita passeando?"Nos sonhos de Fabrina também há espaço para pesadelos. A dura realidade é percebida nas pequenas coisas que fazem parte de seu dia a dia. Almoçar fora, por exemplo, não sai por menos de "R$ 16, R$ 17" na região nobre onde trabalha. O ônibus também é uma despesa e tanto em seu orçamento: nada, nada e lá se vão R$ 120 por mês. Contrastes. E o contraste, como se apresenta? Na arrogância de um cliente que se acha o rei da cocada preta porque de seus bolsos brotam dinheiro? Nos pedaços de pipa enroscados nos fios elétricos da pacata Rua Serra Talhada? No cafezinho chique dos arredores do trabalho que chega a custar dez vezes mais do que o da padaria perto de sua casa? A resposta de Fabrina é mais simples. O maior contraste, em sua opinião, está no aluguel de R$ 600 mensais de sua casa amarela de portões prateados. Se ficasse na Vila Nova Conceição, ele não sairia por menos de R$ 3 mil por mês.

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