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''Se não der certo, a culpa será toda nossa''

Silvia Ramos, coordenadora do projeto UPP Social

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Por Redação
Atualização:

As Unidades de Polícia Pacificadora do Rio não são modelo para o País, diz a coordenadora do projeto UPP Social, Silvia Ramos. Mas ela acha compreensível seu uso como metáfora ou exemplo de resposta à violência. Em sua opinião, as UPPs são diferentes de outras experiências em favelas e se tornaram, na prática, um jeito de reformar a polícia fluminense. Favelas do Rio receberam Postos de Policiamento Comunitário e Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais, que foram apontados como bem sucedidos no início, mas fracassaram. Não é cedo para comemorar?Não acho. Em relação ao histórico de atuação da polícia em favelas que se tornou marca no Rio, em que tudo dava errado, o tempo é suficiente para dizer que as UPPs têm características que as distinguem profundamente das experiências anteriores. São recrutados e treinados novos policiais, que ganham mais. Reverteu-se a lógica de que para a favela é tudo de ruim. O pior carro, o pior policial, o rebotalho. Agora é o policial mais novo, mais bem formado, bem vestido, bem pago e, sobretudo, com comando. Além disso, o policial nunca está sozinho. A lógica é a de saturação. Mototáxis são abordados várias vezes ao dia, porque é o jeito de impedir que armas e drogas voltem a circular. Armas não há.Por que só agora a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos entrou nas UPPs?De fato, a parte social está entrando com muito atraso. Uma das explicações é que as experiências anteriores foram tão traumáticas que a Secretaria de Segurança esperou para fazer um laboratório e ver se dava certo. Por outro lado, entrar com atraso, neste caso, tem vantagens e desvantagens. Obrigou-se que a polícia assumisse um monte de frentes em que não é o gestor mais indicado. Capitães estão assoberbados, executando papel do Estado total. É impossível que isso dê certo no longo prazo. O aspecto positivo é que, entrando tarde, chegamos para consolidar. Do ponto de vista da retomada do território, já é um sucesso.UPPs podem ser modelo para o País, como prometem o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff (PT)?Não acho. As UPPs são um modelo destinado a territórios sob domínio de grupos armados ilegais. Sejam eles traficantes ou paramilitares, como as milícias. Tecnicamente não faz sentido colocar uma UPP por exemplo numa área que tenha apenas alto índice de homicídios.Seria um sintoma da falta de projetos?Não vejo como falta de projetos, acho que a UPP se tornou uma espécie de metáfora, de exemplo fácil de entender de resposta à violência que pode dar certo. As UPPs produziram uma reversão de expectativas. Nem a própria polícia, nem os moradores de favela, nem a classe média, nem a mídia acreditavam que alguma coisa podia dar certo. Sinto que é por isso que a Dilma usa essa expressão. A UPP é um pouco esse modelo onde a polícia foi e resolveu. Há riscos nessa simplificação. Mas acho compreensível. Não são apenas candidatos e governos que estão usando a UPP quase como sinônimo de ação que pode dar certo. Tenho ouvido em algumas rodas, por exemplo, que "esse casamento está precisando de uma UPP".Antes de assumir, você dizia que o Rio não pode ter uma "polícia esquizofrênica": a da UPP, que aprende a respeitar, e a do policial que entra dando tiro e tapa na cara. Isso mudou?Isso continua. Temos praticamente duas polícias. A nova, das UPPs, e a do policial descrente, mais interessado nos bicos. A UPP de certa forma acentua problemas da velha polícia. As reformas policiais de Nova York e Bogotá começaram por um lugar. Hoje tenho impressão de que a UPP se tornou um jeito de produzir a reforma da polícia fluminense. Surgiu para resolver um problema de controle de território e acabou produzindo nova possibilidade de relacionamento. O morador da favela onde o policial ainda entra atirando vê a polícia que não quer e diz "eu quero uma UPP". Hoje acho possível que a UPP contamine a polícia tradicional mais do que o inverso.Será possível universalizar as UPPs até a Olimpíada, como promete o governo?Seriam cerca de R$ 400 milhões por ano a mais em segurança para universalizar UPPs na cidade. É muito dinheiro, 10% do que se gasta em segurança no Estado e 1% do PIB da cidade. Não tem mistério. Quer ter boa política de segurança, precisa gastar dinheiro. Chegamos onde chegamos porque a polícia do Rio é a segunda mais mal paga do Brasil.Apesar das UPPs, o governo Sérgio Cabral (PMDB) deve entrar para a história como o período em que a polícia mais matou.Isso é uma coisa que ele vai ter de levar na biografia.Você foi por anos uma das pesquisadoras mais procuradas para falar de violência e erros da polícia. Como é mudar de lado?Está sendo mais fácil do que pensei. Estou descobrindo que é possível ser crítica dentro do governo. Estamos tendo todo o apoio. Tem dinheiro, tem prioridade, tem mídia. Se não der certo, a culpa será toda nossa.

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