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‘Se eu conseguisse um albergue, me arrumava’

Por Raquel Brandão
Atualização:
Desde que saiu de casa, ainda na década de 1970, Eduardo nunca mais viu os filhos. "Eles nunca vieram atrás de mim porque eu não tenho endereço. Se eu conseguisse um albergue, me arrumava." Foto: Mouco Fya/ Estadão

Eduardo Santana Filho

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“Eu sou de Santos. Quando eu nasci, minha mãe se separou do meu pai e fui morar no Vale do Ribeira, onde me criei. Morávamos eu, minha mãe, minha irmã e dois irmãos. Depois que minha mãe faleceu, fugi de casa, porque minha irmã me maltratava muito. Eu tinha 12 anos. Lá no Vale do Ribeira, aos 12, você trabalha, carrega banana… Lá tem serviço. Morei com uma família que me empregava e me dava comida.

Anos depois eu fui pra Juquiá. Lá, achei um parque de diversões e fui vender pirulito. A dona do parque me perguntou o que eu queria e eu disse que tava no mundo. Viemos embora pra Vila Galvão, em Guarulhos. Dali, mudei pro Jardim Tremembé. De lá, fomos pro Vila Albertina e, depois, voltamos pro Vale do Ribeira, pra Eldorado Paulista. Mas um dia enjoei do parque também.

Vim pra São Paulo durante a Copa de 70, ainda garotão. Eu não conhecia São Paulo, vim bater em Vila Albertina, onde morava uma família que eu tinha ajudado quando estava no parque a vender churrasquinho. Me ‘agasalharam’ lá.

Não lembro o ano em que vim morar na rua. Antes de morar aqui [no Glicério], eu estava no Grajaú e aí me mandaram pra Igreja da Nossa Senhora da Paz, que aceitava. Quando eu cheguei aqui, tinha um cara que me conhecia e aí comecei a morar na rua.

Sou separado da minha mulher desde 77. Nunca mais vi meus filhos. Eu os deixei crianças. Mas eles nunca vieram atrás de mim porque eu não tenho endereço. Se eu conseguisse um albergue, me arrumava. Eu recebia bolsa-família, essas coisas, mas roubaram meus documentos.

É cheio de albergue, só que sem encaminhamento você não entra. Tem que ter uma pessoa para você entrar. Sei lá, eu também não entendo muito. O difícil é encontrar essa ajuda. Tem tenda aí que só vale para pernoite, mas você tem que ficar na fila, tomando chuva, até chegar o horário de você entrar. De dia de semana eu almoço no Bom Prato e banho eu tomo na tenda, de vez em quando. Hoje eu mandei cortar a barba. Dei R$ 2 e o cara passou a maquininha. Eu preferia ir pro albergue.

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Eu cato latinha na rua, durante a semana. Sábado e domingo não tem. Sou bem respeitado por isso. Eu faço dois bairros só: Cambuci e Aclimação. Todo dia fazendo isso aí, você fica conhecido. O povo acostuma com você, sabe quem você é, daí te ajuda. Se eu vou pra outro bairro em que não me conhecem, aí me maltratam.

Nunca senti nenhuma dor, mas eu peço a Deus que quando tiver, que Ele me leve. Não quero morrer de tiro, nem de facada… Nem com dor. ”

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