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Sacomã, tantas histórias

Por José de Souza Martins
Atualização:

A rua secundária, que corre por trás dos prédios do Projeto Cingapura, na Favela de Heliópolis, termina abruptamente na movimentada Avenida Tancredo Neves, a poucos passos da recém aberta Estação Sacomã da Linha 2-Verde do Metrô. Parece um atalho de uma das alças da Via Anchieta no emaranhado de viadutos e passarelas e do elevado do Expresso Tiradentes. Uma placa de nome de rua diz que aquela é a Estrada das Lágrimas, ali interrompida pelas mutilações do espaço que tantas alterações produziram no terreno. Por aquela rua passou o príncipe dom Pedro, na tarde de 7 de setembro de 1822, minutos antes da proclamação da Independência do Brasil, um pouco adiante, na colina do Ipiranga, onde está o Museu Paulista. Era o chamado Caminho Novo do Mar, no século 16, que passou a ser das Lágrimas, talvez só no 19.Sob a avenida passa o ribeiro do Moinho Velho, que tinha esse nome em 1668 e, provavelmente, já em 1588, pelo que vejo numa escritura muito antiga. Eram os tempos em que se cultivava trigo em São Paulo e era esse um moinho de mó de pedra, dos vários mencionados em documentos de antanho nos afluentes do Tamanduateí. Datas que sugerem tratar-se de moinho ainda de antigo morador de Santo André da Borda do Campo ? vila extinta em 1560, com os moradores removidos para o povoado de São Paulo. Aquele foi o principal cenário da guerra dos índios, que então houve, contra os povoadores do campo.Bem no meio do que é hoje o emaranhado viário, os irmãos Sacoman, vindos da França, estabeleceram, dizem alguns que em 1905, a Cerâmica Sacoman Fréres, fabricante das chamadas telhas francesas, as telhas planas, por contraste com as nossas telhas coloniais, tipo capa e canal. A família Sacoman era tradicional produtora dessas telhas no bairro de Saint Henri, no porto de Marselha. Especialmente, telhas fabricadas por Antoine Sacoman, nas últimas décadas do século 19, são ainda encontradas em velhas construções do interior de São Paulo, mas também em escavações arqueológicas na Espanha e na Argentina e mesmo na Inglaterra e na Austrália. Em 1910 repassaram o negócio a um antigo empregado, o imigrante italiano Américo Paschoalino Sammarone, que se tornaria uma das grandes fortunas do Ipiranga. Dos empregados graduados da antiga fábrica ainda existem boas casas, de mais de 70 anos, ao lado da Favela de Heliópolis, cercadas de belos e antigos exemplares de jacarandá mimoso, de flores roxas.Aquele foi o cenário de uma das primeiras batalhas da Revolução de 1924, em julho, e terreno de sangrentos confrontos entre as tropas legalistas, da Marinha e do Exército, aquarteladas em São Caetano, e as tropas revoltosas que vinham pelo Cambuci e pela Vila Mariana. Muita gente morreu por ali e ali mesmo foi sepultada, não só militares, mas também civis.

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