Rio enfrenta 'apagão' de planejamento

Falta de estratégia governamental faz com que empreiteiras, imobiliárias e empresários de ônibus atuem como querem, dizem especialistas

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Por Wilson Tosta
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RIO - Sem volta, a morte do Elevado da Perimetral, oficializada ontem com o fechamento do último trecho operacional da via, mudará o centro do Rio, com a possibilidade de mais engarrafamentos. A mudança se dá em meio ao caos vivido nos últimos anos pelas metrópoles brasileiras, que especialistas em urbanismo e mobilidade ouvidos pelo Estado atribuem à inexistência de planejamento público nas áreas de desenvolvimento urbano e transporte.Agravada pela explosão de carros particulares que atravancam as ruas, estimulados pelas isenções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e pela gasolina barata, a aparente falta de estratégia do Estado deixa livres grandes empreiteiras, incorporadoras imobiliárias e empresários de ônibus para fazer o que quiserem, avaliam. A crise se aprofunda com as obras para a Copa e a Olimpíada. "Planejamento e projeto foram desconstruídos nos níveis federal, estadual e municipal. Os governos ficaram sem estruturas permanentes de estudo, mas ganharam muito dinheiro, e os gestores passaram a tomar atitudes discricionárias. Um dia, o governante resolve fazer metrô em uma direção e faz. Em outro, acha que o automóvel no centro é ruim e o bane", diz o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães. O fim da Perimetral, pista elevada sobre a Avenida Rodrigues Alves, que liga as zonas norte e sul, se insere em um cenário em que os planos mudam rapidamente. Foi anunciado há meses, mas só no fim de 2013 a prefeitura avisou que provocaria mais mudanças além das previstas, como a mão dupla para veículos na Avenida Rio Branco, principal via do centro. De acordo com o município, para viabilizar a novidade serão extintas mil vagas para automóvel na região, que deixará de receber 2,5 mil carros por dia. Magalhães lembra que o Brasil tem 20 metrópoles, com cerca de 175 milhões de habitantes, e duas megacidades - São Paulo e Rio -, mas a lei brasileira trata da mesma forma um município com 2 mil habitantes e outro com 2 milhões."O Brasil aspira ser um país desenvolvido e respeitado, mas é o único em que a empreiteira contratada para a obra faz o projeto", critica. "O RDC (Regime Diferenciado de Contratação) é isso. Começou com Copa do Mundo, passou para a saúde, depois para a educação e agora tem um projeto no Congresso para tudo." O resultado dessa terceirização para empreiteiras, diz, é que "começa a existir um custo exagerado de qualquer obra". Terceirização. Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ), Carlos Vainer ataca a "abdicação do planejamento" do transporte público pelo Estado e a entrega do setor a empresas privadas, que visam ao "lucro máximo". "Ainda mais quando há a segmentação por uma infinidade de companhias", diz. Como Magalhães, ele critica a ausência de planejamento do espaço urbano no País, que entrega a empreiteiros e grandes proprietários os destinos das cidades brasileiras. Vainer afirma que as obras para Copa e Olimpíada vão na direção inversa à das metrópoles internacionais. "Hoje, fala-se em cidades densas, compactas, para reduzir distâncias entre os locais de trabalho e moradia e diminuir a necessidade de transporte, o chamado smart growth", explica. "Mas a Olimpíada e a Copa são distantes. Estão estendendo ainda mais os grandes projetos imobiliários. É o modelo americano da cidade estendida, que cresceu para os subúrbios." Vainer lembra que é comum, em outros países, que empresas privadas controlem empreiteiras e o transporte coletivo. A peculiaridade brasileira é a ausência de controle social ou público.O engenheiro Fernando MacDowell relata que, no Rio, o setor de transportes ficou sem planejamento de 1977, quando nasceu do Plano Integrado de Transportes (PIT), a 2003, com o primeiro Plano Diretor de Transporte Urbano. Entre os problemas gerados por essa falta de programação, aponta a chamada Linha 1-A do Metrô, ligando a Pavuna, na zona norte, a Botafogo, na zona sul (e já na Linha 1 original).A mudança, diz MacDowell, "congelou" a Linha 2 (que ia da Pavuna ao Estácio e está planejada para ir até a Praça XV), já que usa trens menores (cinco carros, em vez das composições de seis vagões da 1), o que reduz a sua capacidade de transporte. Ele conta ter sido "radicalmente contra" a mudança, feita no primeiro governo Sérgio Cabral Filho (PMDB) pela concessionária, em troca de maior tempo de concessão. "Congela as extremidades da Linha 1 e a Linha 2 inteira. Hoje, a Linha 1-B tem um terço da capacidade que teria a Linha 2 original."Insuficiente. Uma das consequências dessa falta de planejamento, aponta, ocorrerá quando chegar ao Rio novos catamarãs para fazer a ligação com Niterói, do outro lado da Baía de Guanabara. No passado, a intenção era que os passageiros que chegassem ou partissem pelo mar usassem o Metrô, que não estará na Praça XV. A solução será ônibus convencional, mas não haverá veículos suficientes, nem espaço para eles. Para o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti, "não há plano geral, são questões pontuais nas quais as empresas de ônibus decidem o que deve ser feito na cidade". Ele acha "absurdo" o projeto de levar os BRTs, ônibus articulados que viajam em via segmentada, até o centro histórico do Rio."Em dez anos, duplicou a frota de automóveis particulares no País", critica. "A saída da crise foi incentivar a compra de carros. A todos os centros históricos do mundo se chega de metrô. Cometeu-se um crime com a Linha 4, era outro percurso." Segundo Cavalcanti, o BRT deveria ser uma linha auxiliar do metrô. Ele critica as consequências dos grandes eventos para as metrópoles do País. "Estão destruindo o centro histórico de Salvador com a especulação imobiliária", afirma. "A Copa e a Olimpíada estão destruindo o Rio."

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