Revolução de 1932: derrota militar, vitória política

Rebeldes paulistas enfrentaram as tropas federais de Getúlio Vargas, de 9 de julho a 4 de outubro; perderam nas trincheiras, mas comemoraram o sucesso de seus ideais

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Por José Maria Mayrink
5 min de leitura
Multidão se reúne no largo do Palácio para aclamar os líderes da Revolução Constitucionalista Foto: Acervo

Derrota militar, vitória política. Os rebeldes paulistas que enfrentaram as tropas federais de Getúlio Vargas, de 9 de julho a 4 de outubro de 1932, perderam nas trincheiras, mas puderam comemorar o sucesso de seus ideais, na luta pela liberdade e pela democracia. Foram 84 dias de enfrentamento, período em que o governo central mobilizou mais de 300 mil homens contra um contingente bem menor - cerca de 200 mil voluntários, dos quais cerca de, no máximo, 40 mil em condições de combate.

Morreram mais de mil constitucionalistas, os paulistas revolucionários que exigiam de Getúlio uma nova Constituição, segundo o historiador Hernâni Donato, falecido em 2012. O historiador Marco Antônio Villa fala em 634 mortos constitucionalistas, em seu livro 1932 - Imagens de uma Revolução. O número de vítimas entre as forças federais foi, certamente, bem mais baixo. O adido militar da Embaixada dos Estados Unidos contabilizou um total de 1050 mortos. Não existe um balanço firme e confiável.

Os primeiros paulistas a morrer foram os jovens Euclides Miragaia, Antônio de Camargo Andrade, Mário Martins de Almeida e Dráusio Marcondes de Souza. Seus nomes inspiraram a sigla MMDC, originariamente uma sociedade secreta que se transformaria no movimento responsável pela convocação de voluntários. Os quatro foram metralhados em manifestações de rua, em frente à sede do Partido Popular Paulista, braço político das Legiões Revolucionárias de Miguel Costa, preposto da ditadura.

A partir desse incidente, São Paulo achou que a luta armada era a única saída para derrubar Getúlio Vargas. Os líderes civis da Revolução, entre os quais Armando de Salles Oliveira, Julio de Mesquita Filho e Paulo Nogueira Filho, passaram a conspirar contra o regime, com apoio de outros civis e militares. O general Isidoro Dias Lopes, comandante da Revolução de 1924, quando os paulistas enfrentaram o presidente Artur Bernardes, assumiu o Comando Geral. O general Bertoldo Klinger foi nomeado chefe das operações.

O movimento deveria ser iniciado no dia 14 de julho, mas foi antecipado para o dia, por causa do risco de traição entre os conspiradores. “Às 21 horas do dia 9, já me sentia dono da situação, São Paulo estava em minhas mãos”, relatou mais tarde o coronel Euclydes Figueiredo, designado pela manhã para chefiar a revolta na Capital. O interventor Pedro de Toledo, até aí fiel a Getúlio, renunciou ao cargo e tornou-se governador constitucionalista.

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Milhares de voluntários apresentaram-se para o alistamento. Depois de uma semana de treinamento militar, partiam para o campo de batalha. Mulheres ocuparam o lugar dos homens no comércio e na indústria. Trabalhavam como costureiras e alistavam-se como enfermeiras. O esforço de guerra garantiu, em poucas semanas, o pleno emprego, atraindo também operários que, influenciados pelos comunistas, resistiam a se alistar.

Criou-se uma máquina de guerra. A indústria paulista adaptou equipamentos para a fabricação de armas e munições. Os resultados do que pela urgência exigia certa improvisação foram extraordinários. Aviões, carros de combate e trens blindado reforçaram infantaria e cavalaria das forças constitucionalistas, que lutavam com fuzis antiquados. 

A desproporção de armamentos era enorme. São Paulo tinha sete pequenos aviões civis adaptados para enfrentar 24 aparelhos militares do governo. Os inexperientes pilotos paulistas despejaram panfletos de propaganda sobre o Rio, logo nos primeiros dias do conflito. Envolveram-se em combate em Cruzeiro, enquanto os federais bombardeavam Santos e Campinas, a cidade mais castigada. Bombas lançadas sobre o Campo de Marte, na Capital, não chegaram a explodir.

Para movimentar a economia, prejudicada pelo boicote federal e pelo bloqueio dos Porto de Santos pela Marinha, o governo de São Paulo emitiu bônus e moedas do Tesouro Estadual. A Revolução também imprimiu cartões postais para incentivar a correspondência dos combatentes com suas famílias. Crianças se tornaram estafetas, substituindo carteiros nos Correios.

"O Exército da lei mantém valentemente as suas posições", dizia a manchete do Estado em 29 de setembro, quatro dias antes da rendição. A propaganda procurava manter o entusiasmo constitucionalista, apesar de sucessivas derrotas. O Jornal das Trincheiras, distribuído na linha de frente, refletia o otimismo da imprensa. Nas três emissoras rebeldes só se falava de vitória. 

A propaganda do governo assumia um tom otimista para anunciar avanços das tropas legalistas. A imprensa de Getúlio descrevia a Revolução Constitucionalista como uma revolta da elite paulista. Seu líder seria o “comunista” Francisco Matarazzo, que pretenderia separar São Paulo do Brasil. O separatismo foi uma das teclas das acusações da ditadura contra os revolucionários.

"Falar em separatismo foi enorme equívoco, assim como é preconceituoso dizer que a Revolução foi iniciativa da elite paulista", afirmouo professor Marco Antônio Villa, lembrando que houve mobilização política, que se estendeu além das fronteiras paulistas. Houve manifestações de apoio em Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Manaus. Em Itacoatiara, no Rio Amazonas, a Marinha afundou dois barcos aliados de São Paulo.

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Por que as tropas federais esmagaram a Revolução, se os constitucionalistas pareciam acreditar tanto na vitória? O primeiro erro dos paulistas foi o coronel Euclydes Figueiredo não ter avançado logo para o Rio, como pretendia, mas ter estacionado em Cruzeiro, à espera do apoio dos mineiros e gaúchos e, sobretudo, da chegada do general Klinger, que prometia trazer seis dez subordinados, enquanto Rio Grande do Sul e Minas aderiam a Getúlio.

Em seu livro, o historiador Hernâni Donato afirma que houve também atos de sabotagem. Um exemplo: “Miguel Reale, que era sargento e só tinha um fuzil velho para revezar com seis companheiros na trincheira, ficou surpreso ao descobrir seis fuzis novos escondidos sob a cama num alojamento em Avaré." O depois jurista Miguel Reale era estudante quando se alistou como voluntário.

Os líderes civis protestaram quando o comando militar assinou o armistício com as tropas de Getúlio. Eles acreditavam que São Paulo ainda tinha condições de lutar. Julio de Mesquita Filho, que serviu no Estado Maior do coronel Euclydes, enquanto seus irmãos Francisco e Alfredo lutavam na linha de frente, apostou na vitória até o fim.

Presos após a derrota, os principais líderes da Revolução foram deportados para Lisboa. Eram 48 oficiais do Exército, 3 da Força Pública e 53 civis, entre os quais Julio de Mesquita Filho, seu irmão Francisco Mesquita, Armando de Salles Oliveira, Paulo Nogueira Filho, Pedro de Toledo, Antônio Mendonça e Guilherme de Almeida. Voltaram em 1933, com a anistia decretada por Getúlio.

"Entrego o governo de São Paulo aos revolucionários de 1932", anunciou o presidente no dia 16 de agosto, ao nomear interventor o civil e paulista Armando de Salles Oliveira, depois eleito governador pela Assembleia. Ao aceitar o cargo, ele convidou Julio de Mesquita Filho para coordenar a criação da Universidade de São Paulo, em 1934.

A USP, em grande parte, não foi pensada como reação à ditadura, mas como superação do vazio cultural que a ditadura representava e a Revolução demonstrara, observou o sociólogo e professor emérito da universidade, José de Souza Martins. ”A USP seria a imensa ponte entre a barbárie e a civilização, como de fato foi”, disse o sociólogo em entrevista ao Estado, em julho de 2012.

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