Restaurantes seguem as regras, mas ficam vazios no primeiro dia de reabertura em SP

Mesas estavam separadas, funcionários usavam máscaras e sobrou álcool em gel; clientela, entretanto, ficou bem abaixo do que era antes da crise, segundo empresários

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Por Bruno Ribeiro e João Prata
Atualização:

De pé, com máscaras no rosto, álcool em gel ao alcance das mãos e, em muitos lugares, armados com termômetros em formato de pistola, garçons e gerentes de São Paulo se perfilaram na porta de seus restaurantes nesta segunda-feira, 6, para receber um público que quase não apareceu. Por toda a cidade, mesas distanciadas umas das outras ficaram vazias, enquanto os frequentadores continuam trabalhando de casa, no que no Brasil se chamou "home office", ou tiveram receio de dar as caras enquanto o coronavírus ainda está em circulação. 

Entre os que chegaram a se sentar na mesa, um dos motivos confessados foi o “saco cheio” de encomendar comidas para entrega e a vontade de ver a rua. “Tinha um almoço mais perto. Mas fazia tempo que não vínhamos aqui, que é gostoso e mais barato”, disse a auxiliar de departamento pessoal Ariane Farias, de 18 anos, em um restaurante da Vila Madalena, zona oeste. Com dois amigos do trabalho, a moça havia decidido ir o restaurante que costumava frequentar antes da pandemia. “Tinha um buffet, a gente se servia, e tinha música também. Vinha aqui às vezes à noite também”, complementou a amiga, Dayane Conceição, de 24 anos.

A gerente Andrea Vieira fotografa Dayane, Ariane e Matheus, os primeiros clientes do Porto Madalena em mais de cemdias Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A mesa era a única ocupada do Porto Madalena, restaurante que, segundo a gerente Andrea Viena, de 50 anos, servia 120 refeições por dia antes de a pandemia obrigar a adoção da quarentena. “A gente até começou a fazer delivery. Mas quem encomendou foi o cliente que já é da casa, não queria ver fechar”, disse. Ela chegou a fazer uma foto dos primeiros clientes a atender em cem dias de quarentena. Como todos os concorrentes do bairro que arriscaram abrir as portas neste primeiro dia, ela tinha duas grandes reclamações: “O horário”, disse ela, “e não poder usar as calçadas”.

A reportagem percorreu dezenas de bares no eixo que vai do Largo da Batata até a Avenida Paulista. Não encontrou nenhum local em que as mesas não estivessem afastadas umas das outras ou que houvesse qualquer tipo de aglomeração. Ao conversar com funcionários e proprietários, a reclamação sobre a proibição de servir jantar foi constante.

“O próprio município já defende isso”, disse Humberto Munhoz, do bar O Pasquim, que antes da pandemia só abria para o almoço entre sexta-feira e domingo. Ele disse que há preocupação dos donos das casas em manter a segurança dos locais e evitar as cenas de aglomeração como se viu no Leblon, no Rio. “O bar é uma empresa”, afirmou. Para aplacar o prejuízo, e tentar trazer mais gente para o lugar, sua casa terá um “bar office”, em alusão ao “home office” entre terça e quinta-feira. Por um valor fixo, as pessoas podem passar a tarde no local, com consumo liberado de água, café e cerveja.

Salão do bar OPasquim, na zona oeste, que terá promoções para tentar atrair o público para o almoço Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alguns restaurantes especializados em atender aos funcionários dos prédios ao redor da Rua dos Pinheiros chegaram a montar algumas mesas no interior de suas casa – antes, elas ficavam na calçada. “Essa foi uma coisa que surpreendeu a gente. Nós sempre servimos na calçada e acho que ela é muito mais ventilada do que dentro”, disse o proprietário de um deles, o Cachaça e Companhia, Artur Garcia, de 55 anos. Antes da crise, por ali passavam 200 pessoas por dia para almoçar, segundo conta. 

Das três mesas do restaurante que estavam ocupadas por volta das 13 horas, uma delas era pelo empresário Eric Winck, de 41 anos, e seu funcionário, Ricardo Alexandre da Silva, de 43. “A gente veio aqui pegar comida para comer no trabalho. Nem sabia que estaria aberto. Mas, como estava, decidimos comer aqui”, disse.

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No trabalho deles, os funcionários estão se revezando, de modo que apenas parte da equipe fica em casa, o que é uma das explicações para haver pouca gente com eles. “Aqui, da forma como está, me sinto seguro. A gente já percebeu que tem de reabrir, não vai dar para ficar na quarentena para sempre. Então tem de ser assim, com segurança”, disse Winck, com a concordância do colega.

Eric Winck e Ricardo Alexandre da Silva (de costas), são servidos no Cachaça e Companhia, em Pinheiros Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A forma como esse primeiro dia de abertura transcorreu foi, na avaliação de um dos sócios do Figueira Rubaiyat, Diego Iglesias, bem diferente do que ocorreu na Espanha, onde esteve há algumas semanas para também acompanhar a reabertura dos restaurantes. “Lá teve muita euforia. Aqui, está tendo mais cuidado.”

O famoso restaurante dos Jardins já tinha mesas distantes umas das outras, de modo que a única coisa que fazia a salão ser diferente dos dias atuais eram o público pequeno, as máscaras nos funcionários e o talheres nas mesas, envolvidos em sacos plásticos que tinham também kits de higiene com álcool em gel.

Salão do restaurante Figueira Rubaiyat, nos Jardins, com público menor do que recebia antes da crise Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Iglesias afirmou que as normas paulistas se assemelharam às imposições das autoridades espanholas, à exceção do horário de fechamento mais cedo. Disse ainda que “o público ainda vai se acostumar, vai levar um tempo” para retomar a confiança de sair de casa. Da média de 100 a 150 refeições que servia por dia, no almoço, até as 14 horas desta segunda o empresário disse acreditar que havia atendido um público entre 20 e 30 pessoas. 

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Na zona sul, a proprietária do restaurante Sabor Gaúcho, Cléo Mancaroni, recebeu todos os clientes na porta nesta segunda-feira. Vestida com uma dolma de chef, máscara e com um termômetro digital na mão, media a temperatura de quem entrava. Durante o almoço não precisou barrar ninguém, mas disse ter sido orientada pela vigilância sanitária para chamar a polícia caso alguém não respeitasse os novos protocolos. 

O amplo salão também estava vazio. "O maior movimento continua sendo o delivery", contou Sergio Mancaroni, marido e sócio de Cléo. Ele contou que retiraram 60% das mesas e atenderam todas as recomendações. 

Cléo Mancaroni mede a temperatura de cliente que entra em seu restaurante, na zona sul de SP Foto: Taba Benedicto/Estadão

O bufê de saladas, que ficava no centro do restaurante, foi afastado para a lateral para evitar aglomerações. Uma funcionária estava ao lado dos pratos para orientar os clientes a permanecer com a máscara, passar álcool em gel gel e vestir uma luva para poder se servir. "A vigilância sanitária veio três vezes aqui falar sobre as novas normas", conta Sergio. Segundo as novas regras, o público não pode se servir sozinho.

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A faturamento no restaurante caiu 70% enquanto esteve de portas fechadas. As cerca de 250 marmitas vendidas por delivery nesse período ajudaram a pagar as contas. Sergio disse que não demitiu nenhum dos 12 funcionários. Mas precisou suspender o pagamento nos dois primeiros meses. Depois, reduziu carga horária e contou com ajuda do governo para manter o pagamento em dia. "O Governo arcava com 70% e a gente com 30%. Por isso não fechamos."

Silvano Farias vive situação semelhante em seu restaurante na Vila Carioca, também na zona sul. O delivery salvou o local para não fechar as portas, mas o faturamento caiu 80%. No primeiro dia de reabertura, porém o estabelecimento também ficou vazio.

Barbearia reduz cadeiras para se enquadrar nas normas

A Barbearia Fiori voltou a abrir as portas para valer nesta segunda-feira. Das quatro cadeiras para cortar cabelo, apenas duas estavam funcionando, uma em cada extremidade do pequeno salão. Na espera, dentro do local, só eram permitidos no máximo três pessoas para respeitar o distanciamento. Os dois funcionários e o proprietário usavam máscaras. A movimentação ainda não era intensa, mas satisfatória, segundo o dono Caíque Rodrigues Silva, de 22 anos. "Hoje estamos demorando mais tempo para limpar a cadeira, o espelho, higienizar a bancada e todo o material do que para atender", comentou.

O local ficou de portas fechadas nos dois primeiros meses da pandemia. Depois, Caíque disse que começou a fazer atendimento na casa dos clientes. Não funcionou. Optou então por receber as pessoas com agendamento prévio por telefone. Entrava um por vez e as portas ficavam fechadas. Mas também não deu certo. Fiscais da vigilância sanitária flagraram um cliente saindo. "Foi um problema, mandaram todos que estavam dentro ir embora e trancamos a porta. Não tinha o que fazer. A gente não faturava quase nada. Era só para tentar manter um capital mínimo".

Clientes esperam afastados um do outro para poder cortar o cabelo na zona sul Foto: Taba Benedicto/Estadão

A expectativa, em uma projeção otimista, é que neste início de reabertura o faturamento seja 50% menor do que antes da pandemia. Para isso, Caíque conta com a tradição do lugar. Situada há 103 anos no mesmo endereço, na rua Silva Bueno, região do Ipiranga, a Barbearia Fiori caminha para superar a segunda pandemia. Na Gripe Espanhola, entre 1918 e 1920, o proprietário era um italiano chamado Fiori. O filho dele, de mesmo nome, seguiu adiante com o negócio. 

Adílson Rodrigues Silva, pai de Caíque, trabalhava no salão e construiu uma relação de amizade com os italianos. Há 30 anos tornou-se o proprietário. A proximidade ajudou agora na negociação do aluguel. "A filha do segundo Fiori é a dona do terreno e conseguimos melhores condições de pagamento", explica Caíque. Até o final do ano, ele espera que o salão volte a receber os cerca de 40 clientes por dia para assim superar mais essa crise. "Aos poucos mais gente vai descobrir que estamos aberto e vai melhorar. É o que esperamos." 

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