Resistência no RJ: 43 civis mortos para cada policial

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Por Fabio Grellet e RIO
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A investigação dos homicídios apresentados à Polícia Civil do Rio como "autos de resistência" (quando um suspeito é morto pela polícia durante uma ocorrência) é realizada com menos empenho do que a apuração dos demais crimes, indica pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por isso, quase nenhum policial investigado por uma ocorrência do tipo é punido. Em 2005, por exemplo, 707 suspeitos morreram em 510 autos de resistência (houve mais de uma vítima em várias ocorrências). Foram instaurados 355 inquéritos policiais, segundo o banco de dados da Polícia Civil, e desses, três anos depois, só 19 haviam se tornado processos. Outros 15 estavam em delegacias especializadas, em situação indefinida. Dos 19 processos, 16 foram arquivados a pedido do Ministério Público, dois ainda tramitavam e só um havia levado a condenação. Coordenada pelo sociólogo Michel Misse, a pesquisa acompanhou a investigação, pela polícia, e o trâmite dos processos penais, na Justiça do Rio, de casos ocorridos entre 2001 e 20011. Nesse período, segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão vinculado à Secretaria de Segurança do Estado do Rio, mais de 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia no Estado. Os pesquisadores acompanharam casos que chegaram aos promotores da 1.ª Central de Inquéritos, a uma delegacia da zona norte da cidade e às quatro Varas dos Tribunais do Júri, no Tribunal de Justiça do Rio. Também foram feitas entrevistas com policiais militares e civis. "Essa pesquisa demonstrou a baixa qualidade dos inquéritos instaurados para a apuração dos autos de resistência e a decorrente falta de elementos probatórios, seja para confirmar ou refutar a versão de legítima defesa. A tendência observada é o arquivamento da esmagadora maioria dos inquéritos e processos instaurados para a apuração dos casos registrados sob esta rubrica, prevalecendo a narrativa inicial apresentada pelos policiais", afirma o relatório final da pesquisa da UFRJ. "O delegado que preside o inquérito costuma assumir, desde o momento da sua instauração, a versão de que os policiais atiraram em legítima defesa, conduzindo as investigações de modo a corroborar tal versão", afirma Misse. "Três aspectos me surpreenderam", enumera o sociólogo. "O alto número de menores de 18 anos mortos, a desproporção entre os números de policiais e de suspeitos mortos e, por fim, a forma precária como os autos de resistência são investigados e processados." "Por que tanta gente prefere enfrentar a polícia em vez de se entregar? Não dizem que 'a polícia prende e a Justiça solta'? Por isso é estranho que tanta gente prefira enfrentar a polícia, sob risco de morte", diz o sociólogo. No Estado do Rio, em 2008, houve 1.137 vítimas de autos de resistência e 26 policiais mortos, o que significa que, para cada policial morto, houve 43,7 civis mortos. A Secretaria de Segurança disse que não se pronunciará sobre a pesquisa.

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