Repetição revela temas fundamentais

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Por José Carlos Sebe Bom Meihy
Atualização:

Há quem veja o carnaval como espaço privilegiado para a transgressão social. Outros o compreendem como festa calibrada, capaz de reafirmar andamentos prévios. Tais representações dimensionam certa liberdade ou licença que tanto vale para a crítica social como para externar desejos. Em termos teóricos, dois antropólogos brasileiros se opõem. Roberto DaMatta percebe esse tempo como "inversão do cotidiano". Renato Ortiz também admite inversão, mas "domada", garantia de sequências estabelecidas previamente. Afinal, ruptura ou continuidade? Campo de prova por excelência, as escolas de sambas do Rio e de São Paulo servem para testar as duas teses. As letras dos enredos revelam discursos astutos, capazes de armadilhas traiçoeiras para quantos pensam as letras como referentes simples, descartáveis e imediatos. As sutilezas escondidas muitas vezes traem os analistas. Pensando o carnaval como texto continuado, ele se explica em termos seriais. A repetição de palavras serve, pois, como indicador de temas fundamentais. É na repetição que se opera a construção de um universo de aspirações que afinal, por uma ou outra tese, dimensionam o sentido privado e coletivo do carnaval. A soma das letras e os variados temas aparentemente não têm a ver com o passado ou com outras escolas. Engano. Tudo faz parte do todo e alinhados permitem nexos que implicam o entendimento dos enredos como indicação de críticas ou aspirações.Nota-se que três ordens de referências constelam os temas: palavras de afirmação afetiva como amor, felicidade; de espaço idílico como teatro, sonho e, de tempo como ontem, agora. Verbos são usados no sentido articulador. Pela tese da inversão, os desejos pessoais se enunciam como possibilidade em um tempo permitido, mas passageiro. Fica também marcado o valor cíclico de uma festa que se repete a cada ano. Neste caso, o amor seria também passageiro, vigorado na inversão de cotidianos difíceis. Para os que entendem o carnaval como continuidade, os sentimentos anunciados no tempo dessas festas é expressão de anterioridades. De certa forma, há conteúdos dramáticos implicados nas palavras usadas por um ou outro caminho antropológico. Para DaMatta a impossibilidade do afeto no dia a dia. Para Ortiz, a consagração dos sentimentos desenvolvidos na surdina cotidiana. COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS EM HISTÓRIA ORAL DA USP

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