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Rebelião da 'Alcatraz brasileira' faz 60 anos

Plano de um dos detentos na Ilha Anchieta, em Ubatuba, terminou com 118 mortos

Por -ARTUR RODRIGUES
Atualização:

A Ilha Anchieta, em Ubatuba, era considerada a Alcatraz brasileira. Mas a prisão nunca estivera tão calma como naquela manhã de junho de 1952. A confiança era tanta que a direção da unidade mandou 117 presos buscarem lenha, acompanhados apenas de dois soldados. Era o que os criminosos mais perigosos do Estado precisavam para iniciar uma das maiores rebeliões da história, com 118 mortos (108 presos e 10 funcionários), que completou 60 anos na quarta-feira. Os bandidos dominaram um dos soldados, mataram o outro e voltaram para o presídio. O soldado da Força Pública José Salomão das Chagas, então com 21 anos, era um dos sentinelas da Col+ônia Correcional da Ilha Anchieta naquela manhã. Chegou a trocar tiros com os rebeldes. "Nesse tiroteio, morreram quatro presos. Mataram dois colegas meus a pauladas", lembra ele, aos 81 anos. O plano vinha sendo arquitetado havia um ano pelo preso Álvaro da Conceição Carvalho Farto, o Portuga. "Ele foi ganhando a confiança dos funcionários, com o bom comportamento dos presos. E o tenente achava que era resultado do trabalho dele", revela o tenente da reserva da Polícia Militar Samuel Messias de Oliveira, autor do livro Ilha Anchieta - Rebelião, Fatos e Lendas. Após o início da rebelião, quem comandou a ação foi o temido João Pereira Lima. Os criminosos dominaram o armeiro e tomaram o arsenal da polícia, que incluía quatro metralhadoras e 80 fuzis. Celas foram abertas, incluindo as dos presos do "seguro", que acabaram mortos. Os 453 detentos estavam livres. "Fizeram 400 litros de caipirinha, com álcool, éter e limão." O grupo planejava fugir em uma barcaça que chegaria no mesmo dia. Mas a rebelião fugiu do controle. Os criminosos passaram a circular armados pela ilha. Os soldados que estavam na embarcação notaram a presença dos bandidos e passaram direto pela ilha, a 600 metros de Ubatuba. A multidão de presos tentou fugir em uma embarcação menor. "O barco começou a afundar. Jogaram os feridos no mar para aliviar o peso. O sangue atraiu os tubarões", afirma Oliveira. Dezenas de fugitivos morreram nesse episódio. Outros foram baleados pela polícia ou pelos próprios criminosos. O número de mortes entre os detentos só seria superado em 1991, com o massacre do Carandiru, que teve 111 vítimas.Três anos depois, a prisão foi fechada. Presos foram levados à Casa de Custódia de Taubaté, onde seria criado o Primeiro Comando da Capital (PCC), que parou São Paulo em 2006. Ontem, solenidade reuniu funcionários sobreviventes. Só há registro de um preso ainda vivo. Até hoje ele não chega perto do mar.

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