R$ 62 milhões esquecidos na Paulista

Galerias debaixo da avenida estão abandonadas desde a década de 1970

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Por Redação
Atualização:

Subterrâneo no centro é marcado por mofo, goteiras e estalactites.

 

SÃO PAULO - Quem tenta estacionar ou procura um imóvel na região da Avenida Paulista sabe que o espaço ali é negociado a preço de ouro por causa da escassez de áreas disponíveis. Por isso é difícil imaginar que abaixo dos milhares de pés que transitam diariamente por aquelas calçadas existam 22 galerias abandonadas.

 

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Mapeamento realizado pela antiga Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), atual SP Urbanismo, mostra que esses espaços no subsolo variam de 26 a 2.440 m², somando cerca de 13 mil m². Como o preço do metro quadrado de depósitos subterrâneos na região fica entre R$ 3 mil e R$ 5.300, de acordo com avaliação da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), a Paulista guarda nessas galerias um patrimônio que chegaria a R$ 62 milhões, se as áreas estivessem em bom estado. Os espaços estão deteriorados e precisam de reformas.

 

Hoje essas galerias são públicas, mas nenhum departamento da Prefeitura soube informar quem é responsável por elas. Os dados sobre a existência ou não de projetos de uso do local são controversos e a assessoria de imprensa da Prefeitura evita comentar o assunto, alegando que nada pode ser feito ali.

 

Resquício do projeto Nova Paulista, de 1967, as galerias seriam usadas como parte de um túnel a ser construído sob a avenida. Na época, a via foi expandida em 10 metros de cada lado, passando de 28 para 48 metros de largura. Com o recuo dos prédios, as entradas e as instalações subterrâneas - a maioria garagens - foram desapropriadas, dando origem a bolsões. Eles ficaram abandonados após a suspensão das obras, em 1973.

 

Só em 2004, por iniciativa da Associação Paulista Viva, o uso do espaço voltou a ser discutido com a Prefeitura. No entanto, o comitê técnico formado não seguiu adiante, por causa da dificuldade de achar solução viável.

 

O investimento necessário para o uso dos espaços é um dos principais motivos das divergências quanto ao destino a ser dado a eles. Os 37 anos de descaso levaram à deterioração. Para se descer à galeria do Conjunto Nacional, por exemplo, foi preciso auxílio de brigadistas.

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Aberta a tampa do bueiro na esquina da Rua Augusta, o que se vê é um buraco escuro e a pouca luz que entra ilumina uma escada de cerca de 4 metros. À medida que se caminha, a luz da lanterna mostra restos de construção, desenhos nas paredes e estalactites e estalagmites que se formaram com as infiltrações. O cheiro de mofo, o som das goteiras e a sensação de tremor quando o metrô passa completam o cenário de abandono.

 

Impasse

 

Para a recuperação, a diretora de Paisagem Urbana da SP Urbanismo, Regina Monteiro, é a favor de parcerias com a iniciativa privada. Segundo ela, as áreas poderiam ser transformadas em lojas, estacionamentos ou galerias de arte. "A gente cede o espaço, eles fazem a reforma e, em troca, podem expor sua marca." A Paulista Viva tem proposta semelhante. "Até consultei a Secretaria de Turismo de São Paulo para propor um espaço de convenções debaixo do Conjunto Nacional", diz a diretora Marly Lemos.

 

Porém, a viabilidade da solução é questionada pelos empresários. A gerente-geral do Conjunto Nacional, Vilma Peramezza, afirma não ter interesse na área. "Isso é um abacaxi. Por que eu vou gastar dinheiro em algo que já foi nosso?" A síndica se queixa de que a galeria dá gastos para o condomínio, com reparos de infiltração e limpeza do local. "É mais barato aterrar."

 

Para o arquiteto responsável pelo Nova Paulista, Nadir Mezerani, o projeto ainda é tecnicamente viável e as áreas só devem ser usadas se ele for retomado em sua totalidade. O presidente da Construtora Figueiredo Ferraz, João Antonio del Nero, que tocava a obra, também defende a retomada da proposta.

 

Segundo a Paulista Viva, das 22 galerias, pelo menos 9 estão ocupadas irregularmente por prédios e lojas. A SP Urbanismo não descarta ocupações ilegais. "Quando a Prefeitura fizer um novo cadastro, vai achar até o que Deus duvida", diz Regina.

 

CRONOLOGIA

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Entenda o Nova Paulista

 

1965

Alargamento

A Prefeitura propõe alargar a Avenida Paulista, rebaixando a pista e eliminando os cruzamentos para facilitar o tráfego de veículos

 

1967

Túnel e bulevares

O projeto sofre mudanças. É adotada a versão do arquiteto Nadir Mezerani, em que o leito dos automóveis seria enterrado em um túnel, abrindo espaço para bulevares acima

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1973

Interrupção

As obras, que haviam começado no fim da década de 1960, na gestão do prefeito Faria Lima, são interrompidas quando o prefeito Figueiredo Ferraz, presidente de uma das empresas do consórcio, é exonerado

 

1974

Conclusão

Após o novo prefeito, Miguel Colasuonno, descartar a execução do projeto original, apenas o alargamento da avenida é concluído

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