Quadrilha frauda autorizações para fazer prédio

Construtora obteve aval para erguer condomínio de alto padrão no Tatuapé, zona leste da capital, mas nenhum centavo entrou nos cofres da Prefeitura

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Por Felipe Frazão
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Pelo menos três construtoras usaram falsas guias de recolhimento de outorga onerosa - taxa que permite construir prédios acima do gabarito legal em São Paulo - para forjar pagamentos à Prefeitura. Segundo investigação da Corregedoria-Geral do Município, elas causaram prejuízos de mais R$ 4 milhões aos cofres públicos. O que se quer saber agora é quem são os envolvidos e por que as autorizações foram concedidas sem que nenhum centavo tenha entrado no caixa da Prefeitura.Três das falsas guias - com valores de R$ 3 milhões, R$ 800 mil e R$ 586 mil - tiveram pagamento autenticado em um banco "fantasma", mas a Prefeitura só divulgou detalhes da terceira, que deu início à investigação.Para o corregedor-geral, Edílson Mougenot Bonfim, o valor do rombo deve ser muito maior e há indícios de que uma quadrilha atuava no golpe. "O tamanho desse iceberg ainda é impossível de imaginar. Estamos correndo contra o relógio, porque sabemos que o crime organizado trabalha com rapidez. Vamos até as raízes desse que se afigura ser um grande prejuízo aos cofres públicos", disse ele, prometendo "conferir todos os processos de outorga onerosa dos últimos tempos" até identificar onde e quando começou o golpe.A Corregedoria começou a apuração em junho, após a vice-prefeita, Alda Marco Antônio, receber denúncia de que uma guia no valor de R$ 586.266,15, usada para construir um prédio de alto padrão no Tatuapé, na zona leste, era falsa. O documento havia sido emitido pela Secretaria Municipal de Habitação em novembro do ano passado, como comprovação de suposto pagamento feito pela Marcanni Construtora e Incorporadora Ltda. De posse da guia, a construtora pôde começar a levantar o empreendimento residencial Porto Santo. A construção do condomínio de 72 apartamentos (de 87 m² e 110 m²), espalhados por 18 andares, foi paralisada anteontem, com a suspensão do alvará da obra.O corregedor-geral já disse ter ouvido seis envolvidos no caso, incluindo o dono da construtora. A Marcanni admitiu que comprou por R$ 350 mil a guia falsa de R$ 586 mil de um prestador de serviços contratado para legalizar o empreendimento na Prefeitura, por meio do pagamento de precatórios. Ele seria indicado por um arquiteto, que estaria envolvido em outros dois casos.Mas, segundo o advogado da construtora, Sandro Luiz Ferreira de Abreu, a empresa pagou sem saber que a guia era fraudulenta. Ele relata ainda que o prestador de serviços que entregou o documento falso devolveu os R$ 350 mil à Marcanni. "A empresa se diz vítima, mas não convence ninguém. Ela já sabe do crime (falsificação de guia)", diz Bonfim. A empresa apresentou extratos bancários da devolução - que serviram para provar o crime. Até receber a denúncia, a Prefeitura não havia notado que o dinheiro da outorga do prédio não caiu no caixa do Fundo Municipal de Urbanização (Fundurb), administrado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano para melhorias gerais na cidade. O corregedor reconhece que houve falha interna e apura eventual participação de servidores públicos na fraude. "Tinha aparência de veracidade, constava ser a guia emitida pela Prefeitura."Conivência. Aproximadamente 30 concessões onerosas são feitas mensalmente na cidade, o que, segundo a Prefeitura, dificultou o controle das contas. "Se houver funcionários públicos envolvidos, eles serão denunciados, expostos por meio de processo penal e responsabilizados", prometeu Bonfim. O Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual acompanha o caso. Envolvidos poderão ser acusados de falsificação de documentos, estelionato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, crimes que preveem prisão. Até a noite de ontem, no entanto, ninguém havia sido preso.PARA ENTENDEROutorga libera área maiorA outorga onerosa é uma autorização expedida pela Prefeitura para que uma construção seja feita acima dos limites de tamanho e altura estabelecidos pela legislação municipal em áreas definidas da cidade. Quando uma construtora quer levantar um prédio de área maior que a permitida na região, solicita autorização e paga ao Município, por meio de uma guia. O valor vai para o Fundo Municipal de Urbanização. A concessão é responsabilidade das Secretarias de Desenvolvimento Urbano e Habitação.

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