Promotoria acusa Ecovias de 'calote' em pagamento

Dinheiro seria usado para remover bairro-cota e fazer unidade de preservação na Serra do Mar; só uma de 50 parcelas foi paga

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Por Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli
Atualização:

O Ministério Público Estadual de São Paulo acusa a Ecovias de dar "calote" no pagamento das compensações ambientais previstas na construção da segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, aberta em 2002. Promotores do Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Meio Ambiente (Gaema) da Baixada Santista entraram na Justiça para obrigar a concessionária a pagar R$ 27 milhões, que já deveriam ter ido para os cofres públicos. A Ecovias alega já ter pago R$ 10,5 milhões de contrapartida ambiental e afirma que "no momento oportuno apresentará sua defesa para o esclarecimento de todas as questões".Segundo a ação civil pública movida pelo MPE, o governo estadual nunca cobrou a dívida e, por isso, a atuação da Promotoria teria sido necessária. O Estado nega a informação e afirma que tentou cobrar a dívida administrativamente até abril, quando os recursos extrajudiciais se esgotaram. Depois disso, a Secretaria do Meio Ambiente enviou ofícios tanto ao MPE quanto à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que também estuda entrar na Justiça para exigir o pagamento. Os recursos, conforme prevê o termo de compensação ambiental assinado há dez anos entre a Ecovias e a Fundação Florestal (órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente), deveriam ter sido aplicados no Parque Estadual da Serra do Mar. A prioridade do dinheiro da compensação era sua aplicação na remoção e reassentamento de famílias dos bairros-cota. Mas essa intervenção vem sendo feita com recursos próprios da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), segundo o MP. A contrapartida também seria usada no desenvolvimento de estudos necessários à criação de uma unidade de conservação dentro do parque. A compensação foi estipulada à época em 2% do total da obra, de R$ 714,3 milhões, e seria quitada em 50 parcelas. Uma primeira parcela de R$ 10,5 milhões foi paga pela concessionária. Ao MP, a própria Ecovias admitiu não ter feito o pagamento das demais parcelas. A concessionária tenta atrelar o pagamento dos valores da compensação ambiental a uma eventual renegociação do contrato de concessão com o governo do Estado. "Agora, nesta altura dos acontecimentos, passados anos, achando que a obrigação se encontra esquecida dentro de um processo de licenciamento de mais de 20 anos, posiciona-se a Ecovias de modo a 'tumultuar' e gerar um fato impeditivo do cumprimento de sua obrigação legal, ao alegar desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão que não existe, de modo a atrelar indevidamente a solução da compensação ambiental a uma nova discussão do contrato de concessão com o Poder Concedente", afirmam os promotores na ação.Os promotores Flávia Maria Gonçalves e Almachia Zwarg Acerbi também não aceitam o argumento da concessionária de que deveriam ser considerados descontos em quatro parcelas por gastos com "vigilância" nos canteiros de obras da segunda pista, durante os quatro anos de sua construção.A ação do MP, porém, destaca a importância do termo de compensação ambiental para proteger o patrimônio ambiental, arqueológico e histórico-cultural da região afetada pela obra. Promotores afirmam que a verba deveria ser investida na proteção de uma zona de amortecimento da Serra do Mar, no lugar de onde foram retiradas cerca de 7 mil moradias dos bairro-cota."Conforme o mecanismo da compensação ambiental tem contribuído para a proteção do nosso patrimônio ambiental, histórico-cultural e arqueológico de unidades de conservação beneficiadas com os recursos a serem nela investidos, não se pode abrir mão desse recurso", justifica a ação do MP.Impacto. A segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, construída entre 1998 e 2002 após a concessão da estrada à Ecovias, cortou 92 mil m² de área verde. A maior parte diz respeito à Mata Atlântica nativa que ocupa o Parque Estadual da Serra do Mar. O número consta do projeto executivo feito pela própria Ecovias antes da construção da pista. É muito menor, porém, do que o que havia sido previsto no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) feito pelo governo estadual em 1988:600 mil m². A diferença ocorre por causa do uso de novas técnicas de construção de túneis e viadutos."O governo não queria fazer túnel, dizendo que era caro e difícil de fazer. E era isso que nós ambientalistas recomendávamos, pois dá muito menos impacto. Mas a empresa privada topou, dizendo que era melhor e até mais barato para eles, e aí aprovamos a obra", afirma Mário Mantovani, diretor de mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica. Na década de 1990, ele era do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Mesmo assim, a construção dos 14,5 km da nova pista no trecho de serra não deixou de trazer impactos ao meio ambiente local. Entre os danos previstos no EIA estavam o aumento da erosão nos trechos onde existiam pilares de viadutos ou túneis, o assoreamento de pequenos córregos e bacias de retenção e a mudança no comportamento da fauna local, além da supressão vegetal.

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