Prefeitura investe em programa de casa ‘emprestada’

Locação social atende mil famílias hoje em SP com aluguel simbólico e pequena taxa de condomínio; plano é ampliação de 60% em 3 anos

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Por Adriana Ferraz
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O apartamento 323 do Condomínio Vila dos Idosos, no Pari, no centro da capital, tem a mesma “dona” há oito anos. A aposentada Inês Ramos Martins, de 77 anos, não tem a escritura do imóvel de 36 metros quadrados, mas, pelo programa de locação social da Prefeitura, tem a garantia de usufruir a unidade pelo resto da vida. Em São Paulo, esse modelo habitacional atende hoje mil famílias, mas pode crescer 60% em três anos.

Comum em cidades como Paris, Londres e Nova York, a locação social foge da lógica adotada no Brasil de que produção de moradia exige transferência de propriedade. Pelo programa, o poder público “empresta” – e não vende – a habitação para as famílias de baixa renda. Em troca, recebe um aluguel simbólico de cerca de 10% da renda familiar dos contemplados e uma taxa de condomínio para arcar com a manutenção do prédio. Além disso, assegura a rotatividade do imóvel.

  Foto: Nilton Fukuda | ESTADÃO CONTEÚDO

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Defendido por urbanistas, o modelo ainda impede os tradicionais contratos de gaveta entre beneficiários de programas habitacionais e ajuda a reduzir, a longo prazo, investimentos com políticas de auxílio, como o bolsa-aluguel. A gestão Fernando Haddad (PT) gasta hoje até R$ 130 milhões por ano com o pagamento de auxílio a cerca de 25 mil famílias.

Instituída na capital em 2001, durante a gestão Marta Suplicy, a locação social pouco avançou até agora. São apenas seis conjuntos que funcionam sob essa visão na cidade. “Não sei por que não investem nisso. Funciona. Moro aqui dignamente e, apesar de o apartamento não ser meu de papel passado, sei que poderei ficar aqui até eu morrer”, diz Inês.

Na Vila dos Idosos, são 145 unidades. Os moradores pagam R$ 35 de condomínio e aluguel que varia de R$ 88 a R$ 264 – a renda dos atendidos fica entre um e três salários mínimos. O arquiteto Celso Sampaio, que é diretor técnico da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), explica que os contratos são renovados a cada quatro anos.

“É um modelo que vale a pena para as duas partes. Os moradores têm a garantia de moradia digna e a Prefeitura, de propriedade permanente”, diz. O gasto público com a manutenção fica em torno de R$ 120 mil por ano, no caso da Vila dos Idosos.

A fila da habitação em São Paulo tem 165 mil cadastrados. Cerca de 75% se encaixam no critério da faixa 1, a mais baixa, de zero a três salários mínimos.

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Público-alvo. Em fase final de desenvolvimento, a ampliação do programa de locação social em São Paulo tem como foco três públicos distintos. A Secretaria Municipal de Habitação pretende viabilizar a proposta para atender inicialmente moradores de rua, mulheres vítimas de violência doméstica e usuários de drogas participantes do programa De Braços Abertos.

Ao mesmo tempo em que busca recursos para produzir as 600 unidades planejadas, que seriam divididas em seis ou sete empreendimentos, a Prefeitura pleiteia o apoio das entidades de moradia. “Isso exige uma mudança de cultura. Não é um processo fácil, sabemos, mas necessário. A locação social é uma alternativa real de moradia digna e em áreas centrais”, afirma Sidnei Pita, coordenador do movimento Unificação das Lutas de Cortiço (ULC).

A entidade já participa do programa. As 45 famílias que pagam aluguel-social para morar no antigo Hotel Senador, que fica na Rua Senador Feijó, no centro, foram selecionadas pela ULC. A aposentada Cícera Duarte, de 67 anos, gosta de viver ali, mas ainda sonha com a casa própria, para deixar para os filhos. “Seria bom ter alguma coisa nossa mesmo.”

Para o urbanista Valter Caldana, coordenador do curso de Arquitetura do Mackenzie, a ampliação é muito bem-vinda. Segundo ele, um dos problemas da atual política habitacional é que ela parte da transferência de propriedade.

“Mas comprar e vender terra é muito caro em São Paulo, ainda mais para o poder público. Todas as ações eficientes no mundo não seguem essa lógica. Em Paris e Nova York, por exemplo, a locação social é tocada pela iniciativa privada. Precisamos seguir esse exemplo, mesmo que em menor escala.”

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