Prefeitura de Votuporanga afasta funcionárias de creche investigada por dopar crianças

Exames feitos em bebê de 11 meses encontraram o medicamento Clonazepam no sangue e na urina; no dia 3 de maio, o município abriu sindicância para apurar denúncias de pais de alunos

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Por Renata Okumura
Atualização:

A Prefeitura de Votuporanga, no interior de São Paulo, decidiu afastar cinco funcionárias do Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Valter Peresi, após análise de documentos. A escola infantil está sendo investigada por suspeita de dopar crianças. Ainda não há informações, no entanto, de que as servidoras tenham envolvimento no episódio. Os afastamentos são preventivos e vão ocorrer até a conclusão do processo.

Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Valter Peresi, em Votuporanga, no interior de São Paulo Foto: FERDINANDO RAMOS/ ESTADÃO

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O município abriu sindicância em 3 de maio, após exames feitos em bebê de 11 meses detectarem o medicamento Clonazepam no sangue e na urina da criança.

Segundo uma portaria publicada no Diário Oficial Eletrônico, após oitiva das testemunhas e verificação dos documentos juntados pelas mesmas, ficam afastadas de suas funções, de 13 de junho de 2019 e até fim da conclusão dos trabalhos, em razão das provas colhidas e da gravidade dos fatos apurados, as servidoras: J.V.L., A.G.B., A.A.B.N., D.T.S. e L.K.O.R.H., todas lotadas na Cemei Valter Peresi. A sindicância segue em andamento com atribuição de sigilo. 

A Procuradoria Geral do Município ressalta que continua acompanhando os inquéritos policial e civil e colaborando com a Polícia e o Ministério Público, prestando informações necessárias aos dois inquéritos, que seguem com suas investigações de forma paralela e independente da administração municipal.

"A Secretaria Municipal da Educação adotou todas as medidas necessárias para a continuidade do atendimento na Unidade de Ensino e continua à disposição de pais de alunos para esclarecimento de dúvidas e atendimentos. A secretaria reafirma o seu compromisso com a educação e destaca que continuará trabalhando para melhoria da qualidade do ensino, sempre com foco no aluno", destacou a nota.

Casos

Com seis meses, Hector (nome fictício) começou a frequentar o Cemei Valter Peresi. Menos de um mês depois, foi entregue desacordado nos braços do pai. "Dos 6 aos 11 meses, foi um pesadelo. Meu filho passava mal. Ele ficava com a boca torta, olhar longe, vomitava muito e até desmaiava. Fazia exames e não dava nada", conta a mãe, a educadora infantil Keli Antoniolo, de 35 anos.

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O episódio mais grave ocorreu em 5 de outubro de 2018. A criança chegou bem ao Cemei, brincou e se alimentou normalmente. No meio da tarde, as educadoras perceberam que o corpo da criança estava mole. Depois, o bebê vomitou e ficou desacordado. Com dificuldade em descobrir qual era a doença, os médicos diagnosticaram virose. Depois de três dias, Hector teve alta e retornou para a escola.

Em 18 de outubro do ano passado, a criança apresentou os mesmos sintomas. "Desconfiei que estavam dopando meu filho", diz Keli. Ela fez boletim de ocorrência. O resultado saiu seis meses depois, detectando o medicamento Clonazepam no sangue e na urina da criança. O material biológico do menino foi coletado logo após a denúncia, mas há demora na conclusão do laudo por causa da necessidade de passar por mais de um órgão de análise antes de chegar a um resultado final.

Mães acusam creche de dopar crianças no interior paulista Foto: FERDINANDO RAMOS/ ESTADÃO

"Meu bebê estava sendo dopado na creche. Meu sentimento é de revolta e de angústia. De impotência, por não descobrir antes", disse a mãe. Em 22 de outubro, ela conseguiu transferir o filho para outra escola. "Desde que o meu bebê começou a passar mal, comecei a fazer tratamento para ter apoio psicológico."

Além da Keli, oito mães também suspeitam que seus filhos tenham sido dopados no Cemei. Todos, agora já estão matriculados em outras creches, apresentaram os mesmos sintomas. Esses relatos existem desde 2017.

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Carlos (nome fictício), de 2 anos, é filho da funcionária pública Fernanda Oliveira, de 33 anos. Em 26 de abril de 2017, quando tinha apenas seis meses, o menino passou mal no Cemei. "Fazia 15 dias que estava indo ao berçário. Eu o peguei desacordado. Disseram que chorou muito e dormiu. Aí ficou dois dias na UTI. Fizeram ressonância e exames, mas não detectaram nada", lembrou Fernanda. A criança foi mais um dia à creche e voltou a apresentar os sintomas. Depois disso, Fernanda optou por pagar uma babá para cuidar do filho. "Podiam ter matado meu filho".

Prefeitura

Em 3 de maio deste ano, a prefeitura de Votuporanga abriu sindicância investigatória. Segundo a portaria no Diário Oficial do Município, a apuração foi necessária por causa da "gravidade das denúncias". 

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Ainda de acordo com a pasta, todos os profissionais que atuam na educação sabem que nenhum medicamento deve ser administrado nas escolas, com exceção das crianças com receita médica. Além disso, os pais ou responsáveis devem enviar a medicação junto com a receita, informando horário e dosagem.

Em 13 de junho, portaria publicada no Diário Oficial Eletrônico de Votuporanga divulgou o afastamento de cinco servidoras. Veja aqui.

Riscos

De acordo com a pediatra Maria Cecília Hyppolito, o medicamento Clonazepam - que tem entre os nomes comerciais o Rivotril - só pode ser utilizado com prescrição médica azul, em casos de alterações neurológicas e síndrome do pânico, por exemplo. "É preciso descobrir quem deu o medicamento à criança e quem prescreveu a droga, que pode provocar até dependência química", explica. A depender da dosagem, o uso pode causar sonolência, irritabilidade e, mais grave, distúrbios neurológicos.

Segundo o neurocirurgião Alexandre Meluzzi, a droga tem efeito hipnótico e apaga a memória. "Hoje é usada em pacientes com ansiedade e em casos de síndrome de West, crianças que têm um quadro de epilepsia muito grave. O medicamento tem ações sedativas, anticonvulsivantes e tranquilizantes. Dar esse medicamento sem prescrição médica é crime". Para as crianças em que há suspeita do uso do remédio, acrescenta, é necessária a avaliação de um especialista. "É preciso verificar se não ficaram sequelas."

O que os pais devem observar quando a criança começa a ir para o berçário?

  • Observe se a criança chega feliz à escola. Ela pode chorar, mas somente por alguns minutos.
  • Fique atento às mudanças comportamentais: sonolência, irritabilidade e ânimo.
  • Qualquer alteração precisa ser verificada, por mais simples que seja.
  • Ninguém melhor que a mãe para conhecer a criança.

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