
22 de novembro de 2010 | 00h00
Pois foi justamente um caipira de Brodósqui, um filho de colonos de café, além do mais comunista, que graças a Deus um dia pintara santos na capela da Nonna, um certo Candinho Portinari (1903-1962), o convidado a fazer um arremate pra lá de moderno na galeria torta. Era um adorno no igualmente moderno edifício projetado por Oscar Niemeyer e Carlos Lemos, construído na década de 1950 e inaugurado em 1955, numa das ruas da São Paulo que ainda gostava de ter estilo. Niemeyer, como Portinari, também era (e ainda é) comunista. Estavam resolvidos ambos a fazer nas artes a revolução que não conseguiam fazer na política. Mas revolução é assim mesmo. Ocorre onde e quando menos se espera. Não se dá aos trancos, como querem os apressados. Mas se insinua em ritmo próprio, no desigual desenvolvimento da sociedade, a arte caminhando mais depressa do que os cotidianos pedestres, lentos e distraídos, cujo desencontro mostra-lhes a contradição de sua demora e os desafia para os avanços da superação e da mudança.
Na parede da direita de quem entra na Galeria, Candido Portinari plasmou um mural abstrato, de pastilhas vitrificadas, de 250 m², em preto, vermelho e cinza. Infelizmente, a vibração da obra se perderia com o tempo, naquele canto que ficou meio escuro com o fechamento do Cine Barão, não raro, com algum traste encostado, a obra de arte tratada com o desprezo de mera parede. Já ninguém desce a rampa da entrada do cinema, dos tempos em que se ia à cidade para ver um bom filme.
Saindo da Galeria, atravessava-se a rua para, no número 262, subir a escada do edifício de 1913 em que ficava a Confeitaria Vienense, onde escritores e artistas, como Mário de Andrade e Lygia Fagundes Telles muitas vezes tomaram o chá da tarde e entretiveram conversas cultas. Também eu me lembro do cenário da Belle Époque, dos móveis antigos, do piano.
Vizinha à Galeria e no fim de um comprido corredor, no número 275, sobrevive a Livraria Francesa. Nos meus tempos de estudante, na Faculdade de Filosofia da USP, era lá que lia transversalmente, sem poder comprá-los, livros de história e de ciências sociais e exemplares recentes dos Cahiers du Cinema. Para os estudantes duros, como eu, Paul Montéil mantinha um canto confortável e aconchegante em que se podia ler em paz as últimas novidades da França culta e erudita.
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