PM quer o túmulo do brigadeiro Tobias

Restos mortais estão na Ordem Terceira de S. Francisco, no centro; Igreja é contrária

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Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy e Vitor Hugo Brandalise
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A disputa em torno de quem deve guardar os restos mortais do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, patrono e fundador da Polícia Militar, pôs em lados opostos religiosos e o comando da polícia. Tudo porque os coronéis querem exumar o corpo do brigadeiro e transferi-lo da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, no centro, para um futuro mausoléu que será construído a 1 quilômetro dali, no quartel do antigo 2.º Batalhão de Guardas, no Parque D. Pedro II, região central.Marido da Marquesa de Santos, Tobias de Aguiar teria como companheiros em seu novo jazigo outras figuras históricas da corporação, como o tenente-coronel Joaquim Inácio Batista Cardoso, primeiro chefe do regimento de cavalaria e avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o primeiro chefe da infantaria e o primeiro comandante-geral. O antigo quartel, hoje abandonado, se transformaria em um Centro Cultural e Museu da PM, com o túmulo dos ilustres no átrio central.O plano conta com o apoio do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), desembargador Antônio Carlos Viana Santos, e da Casa Civil do governo do Estado, mas, para que se torne realidade, a PM terá de vencer a resistência da ministra e dos conselheiros da Ordem Terceira, "completamente contrários" a qualquer intervenção.A ministra Maria do Nascimento Silva, de 45 anos, é a responsável pela tradicional igreja franciscana, no largo que leva o nome do santo e abriga a Faculdade de Direito da USP. "Não há motivo para mudá-lo de lugar. O brigadeiro Tobias foi ministro da Ordem por quatro anos, entre 1851 e 1854, e sua história está bastante ligada a ela. Além disso, em seus últimos desejos, ele disse à mulher, Dona Domitília, que queria ser sepultado na capela da igreja", disse a ministra. "Nada pode ser maior que sua vontade, que está até mesmo descrita em sua biografia."O plano da corporação, com a construção do novo mausoléu - inspirado nas criptas de Abraham Lincoln e Martin Luther King, em Illinois e Atlanta (EUA); de Juscelino Kubitschek, em Brasília; e, segundo relatório da PM, no templo indiano Taj Mahal -, é "redescobrir" a história de Tobias de Aguiar. "Poucos conhecem sua trajetória hoje. Com a nova cripta, dentro de um museu aberto a todos, a sociedade poderia conhecer melhor toda a história da corporação", disse o coronel Marco Antonio Augusto, assessor especial do Comando-Geral da PM.Em abril, o Comando criou um grupo de trabalho - com arquitetos, paisagistas e policiais - para estudar a transferência do corpo. Como argumento para convencer os órgãos de patrimônio, já que a igreja é tombada, a PM afirma que tem "consentimento dos familiares" de Tobias e diz que o corpo "ficará entre aqueles que mais o veneram e cultuam", dentro da "única instituição mantenedora das tradições inerentes ao seu nome".Um documento com o pedido oficial de exumação foi encaminhado ao governo do Estado em 30 de março, assinado por Viana Santos, pelo corregedor-geral do TJ-SP, desembargador Antônio Carlos Munhoz Soares, e pelo comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo. Em 6 de julho, a proposta chegou ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Estado (Condephaat). Técnicos vistoriaram o túmulo e a questão agora passa por análise dos conselheiros. Não há prazo para votação.Irredutíveis. Até aqui, PM e Igreja não discutiram oficialmente a questão, mas, por enquanto, nenhuma das partes parece disposta a ceder. A corporação afirma que pretende chegar a um "acordo" com a Ordem para conseguir remover os restos mortais e ressaltou que ainda não recebeu "resposta oficial". "Serão três anos de obras para que o museu e o mausoléu fiquem prontos. Até lá, chegaremos a um bom termo", disse o coronel Augusto.A fraternidade afirma que vai manter sua "posição histórica" sobre a questão - já houve pedidos negados em 1976 e 1981 pela PM de Sorocaba (cidade natal de Tobias) - e encaminhou ao Condephaat documento no qual os conselheiros declaram que o corpo, embalsamado, deve permanecer "intocado na cripta", sem que "nenhuma parte" seja retirada. "Vamos manter a posição, mas também levantar uma alternativa: que tal a PM voltar a utilizar nossa igreja para cerimônias oficiais, como fez até a década de 1970?", indaga a ministra da Ordem. "É uma chance de ficar junto de seu fundador e reforçar os laços com a comunidade."QUEM FOIRAFAEL TOBIAS DE AGUIARPRESIDENTE DE SÃO PAULO E CRIADOR DA FORÇA PÚBLICAEm 15 de dezembro de 1831, um decreto do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, então presidente da Província de São Paulo, criou a Força Pública, embrião da Polícia Militar de São Paulo. Por isso, é considerado patrono e fundador da PM e dá nome à unidade de elite da corporação, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Nascido em Sorocaba, no interior paulista, em 4 de outubro de 1794, Tobias de Aguiar liderou a Revolução Liberal, que pretendia derrubar o presidente da província, José da Costa Carvalho, o Barão de Monte Alegre. Também em 1842, casou-se com Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. Morreu de insuficiência renal em 7 de outubro de 1857, aos 63 anos. Dezenove dias depois, seu corpo foi enterrado, embalsamado, na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, fraternidade da qual era membro.

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