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Periferia paulistana ganha abrigo menos equipado

Ao desfilar só com véu em 1989, a escultora Enoli Lara causou furor na Sapucaí e levou a Liga a vetar a genitália desnuda

Por Fabio Grellet e RIO
Atualização:

Já era madrugada de 6 de fevereiro de 1989 quando a União da Ilha do Governador, escola de samba da zona norte do Rio, ingressou na Sapucaí para apresentar o enredo Festa Profana, que narrava orgias da antiguidade e a origem do carnaval. Até então, as mulheres mais cobiçadas do sambódromo carioca eram as modelos Luiza Brunet, Luma de Oliveira e Vanessa de Oliveira, rainhas de Portela, Tradição e Império Serrano, respectivamente. Os 90 minutos do desfile da Ilha incluíram nesse rol a escultora Enoli Lara.Aos 39 anos, ela se exibiu sobre um carro alegórico completamente nua, ou quase: vestia um adereço de cabeça, sandálias e um véu, que haviam lhe custado US$ 5 mil. Ao longo do desfile, Enoli abria o véu e simulava relações sexuais.O alvoroço causado pela foliona naquele desfile, que completa 25 anos, levou a Liga das Escolas de Samba do Rio a proibir o nu total. A partir de 1990, cada folião que desfila nu causa a perda de meio ponto à escola que representa. "Fui pioneira, não há como falar sobre nudez no carnaval do Rio sem citar meu nome", diverte-se Enoli, hoje com 64 anos. "Fui convidada pelo carnavalesco Ney Ayan para ser destaque, sobre um carro alegórico que imitava um templo, representando Afrodite, a deusa do Amor. Ele não fez nenhuma restrição quanto à fantasia. Escolhi peças lindas, uma cabeça em crinol preto com strass aurora boreal, o véu e as sandálias, e até pensei em usar tapa-sexo, mas achei desnecessário", conta. Tática. "Enquanto esperava o início do desfile, usei o véu para me cobrir. Por isso, ninguém imaginava que eu viria nua." Durante o desfile, o assédio a Enoli, que estava no alto de uma alegoria, resumiu-se a olhares, aplausos e gritos dos foliões. "Falavam que iriam me atacar quando eu descesse", relembra. Ao fim do desfile, ela foi acompanhada por seguranças até o próprio carro. Com receio de que a nudez total virasse rotina, a Liga decidiu proibir que os foliões desfilassem "com a genitália à mostra". Crítico da medida, o carnavalesco Joãosinho Trinta, então na Beija-Flor, decidiu levar à Sapucaí no ano seguinte o enredo Todo mundo nasceu nu. O ator Jorge Lafond, famoso homossexual que interpretou, entre outros, o personagem Vera Verão, desfilou em um carro alegórico com o corpo coberto apenas por purpurina. A Liga então ampliou a proibição, proibindo também a genitália "decorada e ou pintada", regra que se mantém até hoje. Algumas escolas já foram punidas por descumprir a norma - o caso mais recente foi da São Clemente, que perdeu meio ponto em 2008 por causa da nudez da modelo Viviane Castro, cujo tapa-sexo de 4 centímetros se desprendeu. "Essas meninas (que desfilaram nuas depois de Enoli) são todas minhas discípulas. Eu adoro quando isso acontece, porque a cada ocasião minha história é relembrada", diz. Furor. O desfile de 1989 não foi o primeiro de Enoli. Um ano antes ela já havia causado furor na Sapucaí. "Em 1988 a União da Ilha iria homenagear o compositor flamenguista Ary Barroso e havia uma ala só com jogadores e dirigentes do Flamengo. Eu fui convidada para desfilar com eles, como rainha do clube. A escola não tinha dinheiro e me deu apenas um cocar vermelho. Pensaram que eu desfilaria com a camisa rubro-negra, mas decidi pintar o corpo com labaredas vermelhas e pretas que partiam da região genital", narra. Ela chegou ao sambódromo dez minutos antes do início do desfile da escola e teve de pintar o corpo na rua mesmo."Quando os jogadores me viram, ficaram enlouquecidos", relembra. Depois do desfile, mesmo tomando todos os banhos possíveis, a tintura ficou pelo corpo por mais de uma semana", conta. Além da União da Ilha, Enoli também desfilou por outras escolas, como a Mangueira, mas está longe da Sapucaí desde 2000, quando defendeu a Vila Isabel. "Ainda hoje recebo convites tanto de escolas do Rio como de São Paulo. No Rio não me interesso, mas adoraria desfilar no Anhembi", diz.

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