Pensadores da Periferia

Nada como a esquina dos filósofos Marx e Sócrates para entender bem este mundão

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Por Naiana Oscar e do Jornal da Tarde
Atualização:

Não há guia de ruas que tenha registro deste canto. É um ponto na cidade que, oficialmente, não existe, embora tenha sido construído por mãos de verdade. O lugar insinua o encontro de dois pensadores - um grego, outro alemão - que jamais se cruzaram.

 

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Ali, na improvável esquina da Rua Sócrates com a Karl Marx, no Jardim Helena, zona sul, tudo é real. A padaria com pãozinho a R$ 0,10 e um atendente que espanta moscas do balcão; os meninos soltando pipa; o carro que recolhe o lixo; os moleques que vendem um pneu de carro roubado. Há até as porcas do seu Dercino, que fogem para passear na movimentada esquina.

 

"No sábado isso aqui parece a Avenida Paulista", diz o fundador das duas ruas, seu Valentim, 57 anos. Quase duas décadas atrás, ele e a mulher decidiram que não iam mais pagar aluguel. Com os conhecidos, a maioria vinda do nordeste, descobriu uma área ainda vazia na várzea do Rio Tietê. Como urbanistas, cada um escolheu seu terreno e começou a construir. As ruas - isso ficou acertado - teriam sete metros de largura.

 

O asfalto ainda não chegou. Os meninos que soltam pipa na esquina entram em casa com os pés vermelhos de terra. O barro suja também o tênis do carteiro. Um deles, João Teixeira, 53 anos, descobre seus destinatários perguntando aos moradores. "Se um dia eu ficar doente, o colega que vier no meu lugar não chega."

 

Chega sim. Aos poucos, o povo faz a esquina existir. Eles criaram até um mapa com legenda: as ruas verdes são oficiais e as azuis, as que foram abertas pela comunidade. Há cinco meses, seu Valentim mandou fazer seis placas, a R$ 10 cada, para indicar onde mora. Uma delas foi fixada na padaria.

 

A esquina ali tem cheiro de pão quente. A gente que não para de chegar pergunta, faz piada, procura trabalho. Bom lugar para se tentar descobrir quem deu nome de filósofo àquelas ruas. "Só sei que é chique, bem", diz dona Maria. "Marx foi um professor muito famoso, gente muito inteligente", diz o forneiro. Da rua, alguém na bicicleta grita: "Não fala besteira, seu burro, o cara era um físico."

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