Pedaço do Japão antigo resiste no interior

Com 60 integrantes, comunidade Yuba preserva a arte, resolve tarefas em rodízio e partilha o dinheiro; em fotos, história da colônia virou livro

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Por Edison Veiga e Chico Siqueira
Atualização:

No maior país japonês fora do Japão - a colônia no Brasil tem 1,5 milhão de pessoas -, há uma comunidade fechada onde a arte está em primeiro lugar, as tarefas são resolvidas em rodízio e dinheiro não tem importância. Trata-se da Yuba, instalada numa área de 84 hectares na zona rural de Mirandópolis, a 600 quilômetros de São Paulo. Esse universo particular, criado há 75 anos pelo japonês Isamu Yuba (1906-1976) - fã de Rousseau e Marx - foi objeto do olhar fotográfico da ex-comissária de bordo Lucille Kanzawa, de 46 anos. Após rodar o mundo a trabalho, ela entendeu que, parafraseando Tolstoi, bastava clicar sua aldeia para se tornar universal. "De 2004 até o começo deste ano, a cada dois meses ia para lá fotografar", conta ela, que calcula ter produzido no período 8 mil imagens da comunidade. O melhor desse trabalho está no livro Yuba (Terra Virgem Editora, R$ 65), que será lançado no sábado. Lucille conheceu a comunidade ainda criança. Nascida em Mirandópolis, habituou-se a acompanhar o pai, médico, até lá. "Por toda a vida, ele prestou assistência gratuita aos Yubas." Trabalho e arte. "Aqui não há regalias nem benefícios. Discutimos entre nós para eleger as prioridades", diz Luiz Yuba, de 56 anos, um dos 60 moradores. As funções - cultivo de frutas e legumes, manejo dos animais, cozinha e administração - são divididas em rodízio. O dinheiro vai para um caixa comum. A música e a dança são parte do cotidiano. "Aqui só funciona porque há arte", diz Katsue Yuba, filha do fundador. Antes de cada refeição, há uma oração. No almoço de quinta-feira, uma moradora com o rosto ainda suado pelo trabalho, executava no piano uma ária da ópera Carmen, de Bizet. Era interpretada por Katsue, que também havia sido incumbida de cozinhar. O balé Yuba, formado pelos jovens, já fez mais de 900 exibições dentro e fora do País. No sábado, o grupo se apresenta na Pinacoteca do Estado. "Será uma boa oportunidade para mostrar nosso trabalho", diz a coreógrafa Akiko Ohara.Mas moradores da comunidade temem pelo seu fim. "Os jovens acabam indo embora, porque acham que lá fora há mais oportunidades", diz Luiz. "A gente dá uma graninha para eles irem à balada. Os tempos mudam e nossa comunidade deve mudar. O que não podemos é perder nossos princípios." TRECHOS"Quando o telefone tocava e do outro lado da linha se ouvia um incompreensível japonês......eu logo deduzia que era alguém da comunidade à procura de meu pai. E lá ia ele... Tudo em nome de uma amizade que o fio do tempo e da memória nunca apagou.""Éramos recebidos com festa. Com botas e chapéu Panamá, Yuba-san era imponente. Sentava-se na ponta da longa mesa de madeira... A seu lado, sempre um lugar reservado para meu pai. Humanistas, cultivavam os mesmos valores e a mesma grande paixão pelas artes.""YUBA", DE LUCILLE KANZAWA

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