22 de janeiro de 2012 | 03h03
RIO DE JANEIRO - Negro, 1,93 metro, o auxiliar administrativo Marcelo Pontual, "mais portelense, impossível", vem sendo disputado para desfilar em outras escolas de samba. Em um ano em que o número de alas 100% negras é grande, por causa da coincidência de enredos referentes a Bahia (Portela e Imperatriz), Angola (Vila Isabel) e São Luís do Maranhão (Beija-Flor), a falta de homens negros e imponentes, que causem impacto na avenida, é flagrante.
"Recebo convites semanalmente", conta Pontual, nascido há 30 anos na Madureira da Portela, sem disfarçar o orgulho por ser cobiçado.
"Chamaram da Beija-Flor, da Mangueira (que fala do grupo carnavalesco Cacique de Ramos) e até do Porto da Pedra (cujo enredo é o iogurte). Negro mais baixo, de até 1,70 metro, é fácil, mas afunila demais querer com mais de 1,80 metro, ainda mais se forem 80 homens!"
Gerente coreográfico da Portela, Marcio Moura queria para a ala, que abrirá o desfile "limpando o chão" para a escola passar - tal qual as mulheres fazem na lavagem do Bonfim, em Salvador -, homens que provocassem forte impressão ao executar os movimentos ensaiados.
Foi um sufoco, mas ele fechou esta e a do maculelê, na qual admitem-se também mulatos claros. Moura não arrisca explicação para a carência, insólita por se tratar de uma festa marcadamente afrodescendente. A questão só está sendo resolvida a um mês do carnaval.
Não basta colocar anúncio nos sites de carnaval e reunir os homens com as características desejadas; eles precisam ter desenvoltura para levar as coreografias e topar ensaiar uma noite por semana na Cidade do Samba, na Gamboa, região portuária, à qual não se chega facilmente. Como as escolas usam o mesmo pátio, o assédio a componentes das concorrentes rola solto.
Nem mesmo a campeã do Grupo Especial do ano passado escapou. A Beija-Flor, escola com presença negra especialmente forte, também enfrenta problemas. Para o setor dois, que tem quatro alas e dois carros e trata da influência da cultura negra no Brasil, foram chamadas mais de 300 pessoas, homens e mulheres.
"Geralmente em outubro já teríamos conseguido, mas dessa vez, com tantas escolas falando das raízes africanas, só chegamos a esse número quando virou o ano", diz Ubiratan Silva, da comissão de carnaval. Na Vila Isabel, que reproduzirá as tradições angolanas e mostrará os pontos de contato entre as culturas de lá e de cá, a dificuldade só foi superada agora.
Um pouco mais simples. A Imperatriz informa não ter penado para povoar seu carro abre-alas, cujos destaques, negros e mestiços, representam os pescadores do enredo de louvação Jorge, Amado Jorge - mas o número de integrantes era bem menor, apenas 16. O Salgueiro, com seu Cordel Branco e Encarnado (alusão às cores de sua bandeira), tampouco: tem a sua Ala dos Negões, junta desde 2004.
Na Mocidade Independente de Padre Miguel, que homenageia o pintor Cândido Portinari, o empecilho não foi o tom da pele, mas a altura: o mínimo exigido para integrar a ala dos cavaleiros do apocalipse, menção aos célebres painéis Guerra e Paz, por causa do peso da fantasia, era 1,70 metro, o que acabou dificultando a seleção.
Falta homem
A Renascer de Jacarepaguá, campeã do Grupo de Acesso, por sua vez, enfrenta um percalço mais inusitado: a falta de passistas homens. A ala tem 80 vagas, 60 femininas e 20 masculinas, mas só oito homens haviam aparecido até a semana passada. O motivo: os homossexuais insistem em rebolar como as passistas mulheres, o que fere a tradição, e os dançarinos heterossexuais temem ser tachados de gays.
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