‘Papa quer mudar o comportamento e a economia mundial’

Para cardeal, Francisco lembra que as decisões dos políticos têm consequências para o futuro do planeta

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Por Giovana Girardi
Atualização:
O cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

O papa Francisco passou a última semana chamando a atenção dos Estados Unidos e de líderes de todo o mundo para a urgência de se adotar medidas contra as mudanças climáticas e que protejam o ambiente. Ecoando a encíclica Laudato Si’, ele apela por ações sobre temas já bastante debatidos pela ciência. Fato que vem sendo interpretado por especialistas em clima como a chave para fazer o tema, enfim, ter maior alcance.

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Para o cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, o mérito está no apelo moral. “Não basta a clareza científica dos fatos, é preciso mover as pessoas. A ciência mostra os fatos, mas não move os comportamentos.” Na entrevista a seguir ele fala sobre as implicações da encíclica. 

Não é a primeira vez que a Igreja Católica trata de problemas ambientais, mas é a primeira vez que um papa passa essa mensagem de maneira tão ampla e incisiva. O sr. acredita que isso pode trazer um efeito mais prático na forma como o mundo lida com o ambiente? O papa Francisco responde a uma situação que se vive hoje e que não se vivia no passado. O mundo hoje tem uma consciência mais aguda das consequências da desordem causada pelo avanço do homem sobre a natureza. Como a sociedade de consumo, em que se tem de produzir para mais se consumir e mais se consumir para ainda mais se produzir. Essa lógica o papa diz que é perversa. A pretexto de melhorar a vida estamos, na verdade, destruindo a casa que habitamos. E o papa não fala sozinho nesse caso. Ele é assessorado por um grupo grande de cientistas especializados em cada área a que ele se refere. Eu espero, sim, que a palavra do papa tenha incidência para produzir mudanças comportamentais nos estilos de vida, nas orientações da economia mundial – não só da grande, mas da micro, a local – e na vida das pessoas, das famílias. O papa fala que sem uma conversão dos modos de vida é inútil falar em preservação do ambiente. Espero que ajude a promover grandes decisões que garantam o futuro para o planeta.

A ciência traz essa mensagem de que é preciso tomar cuidado com o ambiente já há vários anos, mas parece que era preciso o papa para convencer quem ainda não foi convencido. Por que isso aconteceu? Não basta a clareza científica dos fatos. É preciso mover as emoções e as vontades para que se transformem em decisões. E isso vem de apelo ético. O nosso agir tem consequências. E há toda a dimensão ética do nosso agir. A ciência mostra os fatos, mas não move os comportamentos. Isso só acontece quando se faz a relação dos fatos com as decisões humanas. E é aí que entra o fator moral. O que o papa faz ao se dirigir aos políticos é lembrar que as decisões deles têm consequências e, portanto, uma responsabilidade moral. 

A encíclica foi elogiada por desfazer uma interpretação da Bíblia de que o homem pode dominar o mundo. Como é isso? É importante lembrar que o papa não faz apenas uma encíclica ambientalista. Francisco não é um papa verde, como se tem dito, embora se possa dizer isso de alguma forma. Alguns fundamentos estão por trás da encíclica. A primeira é uma compreensão teológica da natureza. Na origem do mundo está o Criador. Desse modo, o Criador precisa ser honrado na sua obra. Se não respeitamos a obra do Criador, não estamos respeitando o próprio Criador. As pessoas interpretam como sendo uma questão de Ecologia, mas para nós é uma questão de Teologia. Por outro lado, na compreensão judaico-cristã, o mundo é entregue à responsabilidade humana. Não para que o homem destrua, mas cultive. Que o homem pense responsavelmente sobre uso do mundo não só para nós, mas para os que depois de nós também quererão usá-lo. Por fim, a encíclica traz o mundo como espaço da solidariedade. Como diz o título, é a nossa casa comum. Ninguém é dono do mundo. Ele está aí para todos.

A crise de água vivida em São Paulo parece um bom momento para discutir isso. Sem dúvida. De repente a gente se dá conta de que pode viver diferente. Gastar menos água, poluir menos, desperdiçar menos. 

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