
14 de abril de 2018 | 05h45
A cauda dos pavões, as cores nos pássaros e a juba do leão existem porque fêmeas dessas espécies preferem machos coloridos e com jubas exuberantes. Como são elas que escolhem o macho com quem vão acasalar, selecionam os mais vistosos, que recebem o privilégio de passar os genes para a próxima geração. O resultado é que ao longo de milênios essas características vão ficando cada vez mais exuberantes. A seleção guiada pela preferência sexual é o que Darwin chamou de seleção sexual. Grande parte do que achamos bonito nos animais é resultado desse processo.
O problema é que estruturas como o rabo de um pavão ou o penacho exagerado de um pássaro, apesar de sexy para as fêmeas, pode prejudicar a sobrevivência do indivíduo. Um pavão arrastando uma cauda enorme é presa fácil. Mas, dizem os cientistas, o saldo final para a espécie deve ser positivo, senão a pressão de outros fatores ambientais - como a fome dos predadores - teria impedido o aparecimento dessas características.
Faz décadas que uma outra dúvida tira o sono dos cientistas. Será que espécies em que a seleção sexual é forte têm uma probabilidade maior de se extinguir? Em outras palavras: será que a beleza, produto do gosto estético das fêmeas, diminui as chances de sucesso da espécie? É uma pergunta difícil de responder estudando espécies ainda presentes no planeta. Teríamos de determinar se espécies de pássaros coloridos duram mais quando comparadas a outras espécies. A solução é estudar fósseis de espécies que surgiram e se extinguiram, mas aí encontramos outro problema - as características derivadas da seleção sexual não se preservam no registro fóssil.
Agora o problema foi resolvido estudando fósseis de ostracodos. Esses minúsculos crustáceos, que têm alguns milímetros de tamanho, possuem duas conchas (parecem micro mariscos) e são muito abundantes nos oceanos. No total foram descritas 70 mil espécies de ostracodos, sendo que 14 mil ainda estão por aí. As outras 56 mil estão extintas. A vantagem dos ostracodos é que as conchas são preservadas nas camadas de sedimentos no fundo dos oceanos. Além disso, a seleção sexual ocorre em muitas espécies e se manifesta por um alongamento da concha dos machos. Esse alongamento abriga o órgão sexual masculino. Em outras espécies não existe evidências de seleção sexual: machos e fêmeas são muito parecidos.
O estudo foi feito na Bacia do Rio Mississippi, que corta os Estados Unidos de norte a sul e desemboca no Golfo do México. No Cretáceo (entre 80 milhões e 60 milhões de anos atrás), a bacia do rio fazia parte de um grande mar. O mar desapareceu e hoje camadas e mais camadas de fósseis, contendo milhares de espécies extintas de ostracodos, podem se estudadas.
Os cientistas estudaram 93 espécies de ostracodos extintos. Em parte dessas espécies é possível observar os efeitos da seleção sexual (machos maiores), e em outras espécies as conchas dos dois sexos são muito semelhantes. Para cada uma dessas espécies, o número de indivíduos presente em cada camada de sedimento foi determinado. Como as camadas mais profundas são as mais antigas, é possível determinar quando uma espécie surgiu (a camada mais profunda onde existem fósseis), por quantos milênios viveu (todas as camadas em que encontramos os fósseis da espécie) e quando se extinguiu (a camada superior em que elas aparecem pela última vez).
Dessa maneira é possível comparar o destino de espécies em que existia seleção sexual (machos maiores) com o destino das espécies em que não ocorreu seleção sexual. O resultado é muito claro. As espécies em que houve seleção sexual têm uma probabilidade dez vezes maior de se extinguir que as espécies em que a seleção sexual não é detectada.
Se esse resultado for aplicável para animais que existem hoje, é equivalente a dizer que um tiê-sangue tem dez vezes mais chance de se extinguir que um pardal. A conclusão é que a seleção sexual (pelo menos em ostracodos) prejudica a sobrevivência da espécie provavelmente porque favorece o aparecimento de características que dificultam sua adaptação.
Se a preferência das mulheres por homens musculosos, altos e fortes pode aumentar o risco de extinção do Homo sapiens, pelo bem da espécie as fêmeas deveriam dar mais chances para os baixinhos carecas.
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