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Os olhos da Imigrantes sob neblina

Douglas Messias Alves, de 37 anos, lidera há dez as (demoradas) operações de comboio na direção do litoral sul de São Paulo

Por Marcio Pinho
Atualização:

O Sistema Anchieta-Imigrantes tem neblina durante 200 dias do ano em média e, quando a visibilidade cai a ponto de tornar a viagem arriscada, é Douglas Messias Alves, de 37 anos, quem se torna os olhos da estrada. Os dez anos liderando operações de comboio na direção do litoral sul de São Paulo o habilitaram a saber melhor do que ninguém onde estão todas as curvas quando o carro está dentro de uma nuvem.A cadeira de rodas com que se locomove e as muletas nas quais se apoia ao caminhar na direção da viatura que lidera o comboio podem até enganar um ou outro motorista. Só até Douglas iniciar seu percurso e mostrar que segurança é o que não falta quando a viagem está sob seu comando.O funcionário da Ecovias tem uma prótese na perna direita em razão de poliomielite, adquirida aos 2 anos. E foi justamente a mobilidade reduzida que o levou, por meio de um programa de inclusão, a ingressar na Dersa em 1992, quando a empresa estadual administrava o sistema. Exerceu várias funções, antes de liderar comboios. "Fazer esse tipo de trabalho, para mim, é sinônimo de preservar vidas", diz.No último dia 15, ele acompanhou com espanto, da sala de controle da Ecovias, o engavetamento que envolveu cerca de 300 veículos, segundo a Polícia Rodoviária. Como a Ecovias não realiza comboios na pista sentido capital, onde aconteceu o acidente, Douglas fez o que deu. "Nunca tinha visto nada nessa proporção. Comecei a acionar recursos. Guinchos, ambulâncias, bombeiros. O sentimento foi de querer ajudar."A reportagem acompanhou Douglas em uma operação na quarta-feira, no Gol prata da Ecovias. O veículo puxa a comitiva ao lado de outro veículo da Ecovias e dois da Polícia Militar Rodoviária. A missão é mais complexa do que dirigir devagar na estrada.Buzinas. O primeiro desafio é manter a calma. Os carros são represados no pedágio (km 32), formando grupos de 1.500 veículos. Motoristas se revoltam em ter de esperar e começam a buzinar. Motoqueiros, expostos à chuva e ao frio, são os mais inconformados. Um deles chega a dizer "Quero meu dinheiro de volta", esquecendo-se de que a categoria é isenta do pedágio de R$ 20,10 - exclusivo para carros. O nervosismo contrasta com o bom humor do condutor. "Eles param", garantia, sem se abalar.O pelotão parte após 30 minutos de espera. O velocímetro não supera os 40 km/h, e quem tenta ultrapassar é fechado, sem nenhuma cerimônia. "Não podemos deixar passar. Uma ambulância sem sirene ligada certa vez escapou e bateu no comboio que ia à frente. Duas pessoas morreram", conta. Para evitar isso, o rádio é usado para avisar os postos da Polícia Rodoviária sobre fujões.No km 40, perto da descida da serra, os carros da polícia continuam pela Imigrantes, enquanto os da Ecovias pegam a interligação para a Anchieta, que é a única rodovia permitida aos caminhões na descida. Nesse ponto, é mais fácil entender por que o comboio era necessário. A visibilidade ali é de cerca de 80 metros - quase nada para veículos em velocidade. O ponteiro do velocímetro cai para 20 km/h. A viagem termina no km 40 da Anchieta, onde a neblina se dissipa.O trajeto que durou 45 minutos é percorrido em 15 em dias normais. A viagem que parecia não acabar para todos que se dirigiam ao litoral foi mais uma para Douglas. "Já me acostumei." Quando a viatura sai do pelotão, há quem agradeça pela viagem segura, mas é exceção.Telão. Quando não está dirigindo, Douglas está no centro de controle, onde um telão traz imagens de 44 câmeras e informações de dez estações meteorológicas. Quando a visibilidade cai para menos de 100 metros, o comboio é necessário. Se a situação é crítica, Douglas não tem hora para voltar para sua casa, em São Bernardo do Campo, onde vive com a mulher e a filha de 13 anos. Os dias de sol não são chance para o ócio. É preciso responder às queixas feitas pelo 0800, coordenar equipes de guincho e formar condutores - cem são habilitados para atuar em comboios. Em 19 anos no Sistema, já ouviu um gracejo relacionado à sua mobilidade reduzida. "Saí do carro, e o motorista ficou surpreso, dizendo que quem precisava de ajuda era eu, e não ele. Dei risada."

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