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Os mestres do requinte sob medida

Poucos alfaiates sobreviveram às lojas de roupa pronta, mas os que continuam na ativa têm clientes fiéis, dispostos a pagar no mínimo R$ 3,5 mil por um terno

Por Marcio Pinho , TEXTO , HÉLVIO ROMERO e FOTOS
Atualização:

Nos anos 1960, dezenas de alfaiatarias funcionavam nas ruas do centro de São Paulo. E era comum alfaiates ironizarem lojas de roupas prontas e dizerem que elas só vendiam três tons: "marrom-enterro", "cinza-bancário" e "azul-missa". O tempo passou, a indústria evoluiu e a maioria dos clientes passou a achar mais fácil comprar pronto do que mandar fazer. Resultado: dos 200 ternos produzidos por mês pelos mais disputados profissionais das Ruas Barão de Itapetininga e 24 de Maio, sobrou hoje apenas um serviço de luxo voltado a poucos clientes fiéis. Mas visitar as alfaiatarias tradicionais da cidade vale como uma aula de História e elegância. Muitas migraram para os bairros, em busca de aluguéis mais baratos e da proximidade com os clientes, que hoje querem ser atendidos em casa e podem pagar por uma roupa com caimento perfeito - um terno sob medida custa pelo menos R$ 3,5 mil.O filho de italianos Valerio Taddei, de 78 anos, resume bem as mudanças da profissão. Após dez anos na Galeria Metrópole, na Praça da República, e outros 25 na Rua Augusta, o alfaiate instalou sua oficina na sala da própria casa, na Mooca, zona leste. Quem passa pela Rua Camé não diz que a casa verde de número 93 é uma das alfaiatarias mais tradicionais da cidade. Um ferro a carvão usado no início da profissão serve como enfeite em meio a máquinas modernas, que colam o tecido de forma precisa. "Ninguém mais vai a alfaiatarias e fica atrás de provador. Quem manda fazer roupa hoje tem dinheiro e gosta de ser atendido em sua casa ou no trabalho", afirma ele, que já fez roupas para o ex-governador Mario Covas e atende vários banqueiros. Filho e sobrinho de três alfaiates, Taddei continuou a saga do clã familiar e ensinou a profissão ao filho, Valerio Taddei Júnior, de 53 anos, hoje encarregado de visitar os clientes. O estilo das roupas também evoluiu. Ternos de dois botões em vez de três, lapela estreita e calça sem prega nem barra italiana estão entre as opções mais modernas. Marcas de tecido estrangeiras são as mais valorizadas (Holland & Sherry, Loro Piana e Ermenegildo Zegna). Se o terno tiver casimira e tecido com grande quantidade de fios, mais de 200, por exemplo, o preço supera os R$ 8 mil. Festa. Quem passa nas tardes de sexta-feira pela Rua Oscar Freire, nos Jardins, é capaz de ser atraído para uma alfaiataria sem saber. Em uma varanda entre as Ruas Haddock Lobo e Augusta, o camiseiro Michel Bastos, de 66 anos, faz suas performances de jazz com um trompete e músicos contratados. A apresentação acaba levando pessoas a seu ateliê, onde o visitante pode encomendar roupas e apreciar ternos e camisas. Um espaço com forno a lenha para fazer pizzas está disponível para clientes que queiram fazer uma festa. Bastos defende que a profissão não pare no tempo. Em vez de uma fita métrica pendurada no pescoço, costuma vestir calça de corte social estonado (exclusividade da loja) e sapatos sem meias, estilo que indica a vários de seus clientes. "Dependendo do que a pessoa precisa e do estilo, posso fazer uma calça jeans e uma camisa para usar por fora. Fica ótimo", afirma. Por outro lado, refuta que a missão do camiseiro seja preparar os clientes para uma "fashion week". Bastos está frequentemente em Brasília fazendo ternos para senadores e ministros. Molde personalizado. Também na zona sul fica outra alfaiataria tradicional. Filho de pai húngaro, Alexandre Mirkai, de 70 anos, chegou a Moema em 1961, quando o bairro começava a atrair esse ramo. Das 16 lojas da época em Moema, sobraram apenas quatro, incluindo a de Mirkai, na Avenida Aratãs. Mesmo assim, o alfaiate não tem dúvidas sobre qual roupa é melhor. "As lojas trazem roupas baseadas em um molde. Mas as pessoas são diferentes. Até uma metade é diferente da outra."Mirkai mantém uma clientela de advogados, juízes e executivos. Produz em média 15 ternos por mês e oferece uma opção com nome do cliente personalizado em listras por R$ 25 mil. Hoje, ele lamenta a baixa procura pela profissão - a Associação dos Alfaiates tem até curso tentando estimular a renovação. Mas diz estar convicto de que sempre haverá mercado para o alfaiate.

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