Os estúdios que se disfarçam de casa

Espalhados por Pinheiros, Mooca e Tatuapé, cinco endereços que mais parecem residências são disputados por artistas para ensaios e gravações

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Por Paulo Saldaña
Atualização:

Quem da rua avista a velha máquina de lavar, o vaso de planta mal cuidada e a bicicleta encostada na fachada da casa de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, não imagina que ali se esconde uma parafernália sonora disputada por grandes músicos. A aparente bagunça na porta do estúdio El Rocha não só faz parte do plano para despistar assaltantes como se repete em outros endereços semelhantes da capital.Com a tecnologia, ficou fácil levar para dentro de casa estrutura de estúdio - entendidos costumam dizer que bom computador e placa de som já fazem muita coisa. Mas, seja pela capacidade dos equipamentos, ou pelo espaço para ensaiar, os estúdios sobrevivem. A hora de aluguel costuma variar de R$ 30 a R$ 100.Mesmo quando Claudio Takara, de 61 anos, abre a porta do El Rocha, ainda bate a dúvida se estamos no lugar certo. Uma escada leva ao estúdio de gravação. "Nossa prioridade é o som", diz ele, referindo-se ao amontoado de cabos de som e aparelhos que sobem pelas paredes, sem muita organização.Som sem igual. Ele montou o estúdio para os filhos - Maurício Takara, Fernando Sanches e Daniel Ganjaman -, todos músicos. A ideia, há 13 anos, era que servisse para eles ensaiarem com bandas, mas a coisa cresceu e o endereço começou a receber produções. Por lá já passaram Marcelo Camelo, Mallu Magalhães, Criolo e Racionais Mc"s. "Fui comprando equipamentos usados, quase sempre sem funcionar, e arrumando. Hoje temos equipamentos analógicos muito procurados por produzir som sem igual."Por trás da porta acústica ficam a mesa de som de 28 canais, o computador, duas torres de compressores, pré-amplificadores, mixers e gravador de rolo. De guitarra em punho, Gabriel Weiss, o Careca, de 29 anos, entra em ação. "Tchanan-tchanan-tchanan" - faz, com palheta afiada. Fernando Sanches, o produtor de 31 anos, pede repetição, com mudança sutil. Para ouvintes desavisados, nada muda, mas Careca parece entender perfeitamente o pedido. E repete e repete. "Estamos gravando 11 músicas. Já foi baixo, bateria, primeira guitarra. Essa é a segunda guitarra", diz o publicitário, que nas horas de lazer se dedica à banda Iodo.Na Mooca. O produtor Constant Papineanu, de 58 anos, conhece bem o dia a dia entre alto falantes e amplificadores. Passou mais de três décadas em estúdios. "Cheguei a virar noites, sair de manhã e, em vez de ir pra casa, dar uma descansada ali mesmo e começar outra produção." Hoje diz que evita isso. Mesmo assim, ainda gasta boas horas no Estúdio Galeão, na Mooca, zona leste - também em uma casa sem pistas de que ali se faz música. O estúdio é um projeto do compositor Vitor Martins com o filho Gabriel, sob coordenação artística de Constant. "A gente fica até dizer "chega, agora vou embora"."Na casa com portão e muros pretos do F-Unit, no Tatuapé, zona leste, a história é parecida. O sobradão abriga há cinco anos o estúdio do cantor de samba Rodriguinho. "De terça a quinta à tarde, o Rodriguinho produz muito aqui, compondo. Vara a madrugada. Depois, vai para os shows e fica o maior silêncio", conta o produtor Anderson Jesus, de 22 anos. Foi nesse clima que a Expedição Metrópole encontrou o local.Voltando a Pinheiros, o silêncio também predomina no Estúdio S4 até as 19 horas. Depois, começam os ensaios. "Trouxe até o cachorro, o Bud, para dar essa sensação de que estamos em casa", diz o dono, Beto Semcovici, de 44 anos. Atualmente, o S4 só recebe ensaios. Mas o clima é o mesmo - várias repetições, som alto e horas dentro do estúdio. Na semana passada, a banda Leela ensaiou ali todos os dias. Duas horas diárias para preparar o show no Metrô Paraíso. "Já chegamos a ficar sete horas, mas é bom", conta a vocalista Bianca Jhordão, de 34 anos.O som começa quando os quatro integrantes estão a postos. "É dó, mi, sol e lá", avisa o guitarrista Rodrigo Brandão, de 36, casado com Bianca. A música desenrola, como deve ser no show. Mas algo ainda tem de melhorar. "Vamos fazer de novo?"

 

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