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ONGs denunciam à ONU 'abusos' em ação na Cracolândia

Denúncia contra operação Centro Legal vai ser encaminhada a Conselho de Direitos Humanos da entidade

Por Mariana Della Barba
Atualização:

O governo brasileiro pode ter de se explicar à ONU sobre a operação policial realizada no início do mês na área de São Paulo conhecida como Cracolândia.

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 Isso porque quatro ONGs fizeram na terça-feira uma denúncia formal a relatores independentes das Nações Unidas, criticando abusos do poder público.

O documento faz acusações como o uso excessivo da força por parte da Polícia Militar contra usuários de drogas da região, o tratamento desumano e falta de assistência em saúde. "O que nos levou a fazer essa denúncia foram os inúmeros casos de violação de direitos humanos que presenciamos durante a ação na Cracolândia", disse à BBC Brasil Lucia Nader, diretora executiva da Conectas, uma das ONGs responsáveis pelo documento.

O caminho que a denúncia percorrerá a partir desta quarta-feira começa nas mãos de três relatores da ONU - a brasileira Raquel Rolnik (responsável pelo direito à moradia adequada), o indiano Anand Grover (direito à saúde física e mental) e o argentino Juan Mendez (tortura e tratamentos desumanos).

Os relatores independentes, responsáveis por examinar e monitorar possíveis violações aos direitos humanos, se reportam ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, com sede em Genebra, na Suíça. Após analisar as queixas por cerca de uma semana, eles devem encaminhar um questionamento ao Ministério das Relações Exteriores. Como são citadas responsabilidades do município e do governo de São Paulo na operação, ambos poderão ter de responder às indagações da ONU.

Operação No dia 3 de janeiro, em uma ação conjunta entre o governo paulista e a Prefeitura da capital, a Polícia Militar deu início à tomada da Cracolândia, com a remoção dos dependentes químicos e traficantes presentes no local. Relatos indicam que, durante a operação, os PMs chegaram a usar balas de borracha e bombas de efeito moral contra os dependentes químicos, prática que foi posteriormente vetada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado.

De acordo com o governo do Estado, nos 22 dias de operação, 154 pessoas foram presas, 46 condenados foram capturados e cerca de 10 mil pedras de crack foram apreendidas, além de 15 kg de cocaína e 43 kg de maconha, em mais de 8.200 abordagens policiais. Também ocorreram 113 internações e 553 encaminhamentos para centros de saúde, enquanto 1.813 pessoas foram encaminhadas para abrigos.

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 Após a operação policial, o Município interditou e demoliu prédios irregulares, fechou estabelecimentos comerciais e deu início a programas de assistência social na região.

Abusos. As ONGs esperam que a denúncia ajude a esclarecer pontos que consideram obscuros da operação, além de investigar e punir supostos abusos policiais e omissões do poder público, especialmente na área da saúde. "Pedimos aos relatores que solicitem informações sobre o que está realmente acontecendo na Cracolândia e sobre os próximos passos da operação", afirma Nader, da Conectas, acrescentando que até o momentos não foi apresentado um planejamento oficial claro do que vai acontecer daqui para frente.

De acordo com a diretora da ONG, outro dos objetivos do documento é lembrar, via ONU, que o Brasil tem de respeitar, além da Constituição, os tratados internacionais de direitos humanos dos quais é signatário.

Redigida em conjunto com as ONGs Instituto Práxis, Pastoral Carcerária, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, a denúncia também pede que, caso sejam comprovados os abuso, os responsáveis por violações dos direitos humanos sejam punidos.

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Inquéritos e visitas. O apelo feito pelas organizações foi baseado em Boletins de Ocorrência registrados por vítimas da violência policial, inquéritos do Ministério Público e diversas visitas à Cracolândia.

Tanto Nader como Paulo César Malvezzi, advogado e presidente do Instituto Práxis, citaram que eles próprios ou outros funcionários de suas ONGs puderam presenciar cenas de truculência policial. "Ouvimos relatos de grávidas que foram acordadas por forças da segurança com chutes na barriga", afirma Malvezzi.

"O que mais me chocou foi a falta de parâmetro policial. Vi um usuário fumando crack na frente de policiais e eles não fizeram nada. Enquanto isso, um grupo foi dispersado sem motivo aparente e uma menina levou um tiro de bala de borracha ao contestar um policial sobre seu direito de permanecer em local público."

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Há outros exemplos que se encaixam em denúncias de tratamento degradante, falta de acesso adequado a serviços de saúde e restrição da liberdade de ir e vir.

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 Sem compromisso. Segundo o documento, essas violações demonstram uma falta de compromisso com as normas de direitos humanos, particularmente por parte autoridades municipais e estaduais de São Paulo. Consultados pela BBC Brasil, tanto o Governo Estadual quanto o Município reiteraram que a operação foi legal e afirmaram que só irão se posicionar após serem notificados oficialmente.

Depois de circular entre Itamaraty e sede dos governos de São Paulo, a denúncia é submetida ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, responsável por analisar periodicamente a conduta de todos seus Estados membros. A partir daí, o documento deve ser analisado na reunião do Conselho de Direitos Humanos, que acontece em março em Genebra, ou na sessão regular do Conselho. Em ambos os casos, há riscos de que a imagem do Brasil perante a comunidade internacional saia, no mínimo, arranhada.

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