01 de agosto de 2011 | 00h00
Gomide nascera em Itapetininga, em 1895, uma das regiões referenciais da cultura caipira, e fora muito jovem, em 1913, com a família, para a Suíça, onde estudou arte. Frequentou, na Europa, estúdios de grandes nomes da pintura. Voltou para o Brasil em 1929, o ano da grande crise econômica, o ponto e vírgula da Pauliceia próspera, da Belle Époque paulistana, da vida mundana densa de estilo e de criação. Um tempo que os ausentes, como ele, lamentaram não conhecer. Não obstante os refinamentos estéticos assimilados nos longos anos de residência na Europa, a alma de Gomide permaneceu caipira no interesse pela cultura popular, na leveza da mão, na delicadeza do traço, na saudade dos temas, como congadas e cavalhadas, na busca da forma e da cor de roça.
Há naquele vitral uma explosão de modernidade, uma alegoria da abundância, nas formas cubistas que aglutinam fartura e trabalho, na figura de cavaleiro caipira pastoreando seu gado, o trabalhador de roça de cujo labor sai o pão nosso de cada dia. Moureja entre o gado e a planta, no meio de folhas viçosas de variadas cores, de variados amadurecimentos. É o anti-Jeca em toda sua intensidade. Gomide é o anti-Lobato que tira o caipira da margem da vida para colocá-lo no centro. Um caipira épico não só pelo porte, mas também, e sobretudo, porque caipira da produção e da produtividade, o oposto do caipira esquálido e preguiçoso de Monteiro Lobato. O vitral de Gomide é, nesse sentido, um dos marcos de ruptura com a tradição de um imaginário que, desde os tempos coloniais, ao mameluco estigmatizou com a falsa preguiça do índio.
Aquela é uma obra de arte que se via melhor do bonde que trepidava sua pressa ainda pouca pelos trilhos da Avenida Francisco Matarazzo em direção à Lapa e à Água Branca, os passageiros acompanhando, pensativos, com a cabeça, as faces do painel colorido. Tempo em que muitos operários, que por ali passavam depois do escurecer, tinham nascido no interior e na roça e até pegado no cabo do guatambu. Iam sonhando as lembranças que aquelas plantações no vidro do mosaico colorido figuravam. Como dizia aquele verso popular antigo, da região de Campinas: "Ah, Nhanhã, mecê num sabe a dô que a sodade tem..."
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