PUBLICIDADE

O que se deve fazer para evitar que tragédias como essa se repitam?

Especialistas apontam medidas preventivas l Documentação do local do evento precisa ser checada l Engenheiro deve avaliar estrutura da casa l Lei proíbe show pirotécnico em espaços fechados l Todos os funcionários precisam receber treinamento

Por Carlos Lordelo , Rodrigo Burgarelli e VALÉRIA FRANÇA
Atualização:

Produtores de eventos e técnicos especializados em normas de segurança e uso de imóveis afirmam que tragédias como a da boate Kiss, em Santa Maria, podem ser evitadas. Para isso, dão algumas dicas. Verificar a documentação da casa é o primeiro passo. Contratar um engenheiro para checar se o local está dentro das normas de segurança - com saídas de emergência suficientes, ventilação e brigada de incêndio - é um gasto que também deve estar na conta da festa. 1. DocumentaçãoAo escolher uma balada, é importante verificar se o estabelecimento tem alvará de funcionamento de local de reunião. "Esse documento obrigatoriamente deve ser renovado todo ano e atesta que a casa está dentro das normas de segurança exigidas para funcionar. Também determina a lotação máxima", diz Silvio De Sicco, diretor de divisão técnica do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru-2), em São Paulo. Quem aluga uma casa para uma balada não deve colocar mais gente dentro do estabelecimento do que o indicado pela lotação. 2. LegislaçãoTécnicos e especialistas em segurança contra incêndios querem que o Congresso Nacional aprove uma legislação federal que determine exigências mínimas para a liberação de casas de show, prédios comerciais e outras edificações. Atualmente, não há regras nacionais para o tema - cada Estado ou município define suas próprias normas, seguindo ou não as recomendações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)."É isso que a gente defende, é nisso que estamos trabalhando. Seria importante ter um código nacional de segurança contra incêndio para que sejam estabelecidas regras básicas", afirma José Carlos Tomina, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e superintendente do Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio da ABNT. Segundo ele, o código é necessário pois tornaria as normas técnicas vinculantes e obrigatórias para todas as cidades brasileiras. Tomina acredita que as regras nacionais não podem ser rigorosas demais, e sim mais gerais, para que sejam adequadas à realidade de todos os municípios brasileiros. "Você tem cidades maiores, cidades menores, algumas que nem prédios têm. O código tem de trazer o mínimo para que todos sigam e a partir daí cada município pode melhorar suas regras com base no seu contexto próprio", afirma.O engenheiro acredita, porém, que novos desastres só serão evitados se as prefeituras não relaxarem na fiscalização. "Lógico que as normas precisam melhorar, mas, se estivéssemos cumprindo o que já existe de legislação e normatização, estaríamos em um nível de segurança muito melhor. Precisamos de fiscalização e rigor." 3. Fiscalização Para o geógrafo e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Moacyr Duarte, especialista em prevenção de acidentes, as equipes de fiscalização de estabelecimentos comerciais deveriam fazer inspeções de surpresa, além das rotineiras, para garantir o cumprimento da legislação. "Uma das características das casas de espetáculos é que elas mudam muito de acordo com o evento", afirma.Segundo ele, não há equipes de vistoria no País em número suficiente para atender à demanda. Por isso, Duarte sugere uma triagem para eleger "prioridades" a partir dos critérios para expedição de alvarás de funcionamento. "Uma casa com problema nas saídas de emergência deve ser visitada antes que outra com problema no banheiro."Para Silvio De Sicco, do Contru, mais importante do que ter uma equipe maior de agentes é conscientizar os donos das casas noturnas sobre a importância de respeitarem as normas de segurança. "Já entrei em muita balada que estava com as saídas de emergência fechadas com caixas de cerveja", diz De Sicco.4. PirotecniaEm São Paulo, a legislação não permite shows com fogos de artifício dentro de casas noturnas. "Os materiais usados tanto na decoração - sofás, cortinas, e carpetes - como nos materiais de tratamento acústico são muito inflamáveis ", diz a produtora Ciça Maria, que normalmente se encarrega de conseguir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros de grandes shows. Se uma banda resolve usar fogos de artifícios, devem ser do tipo especial para ambientes fechados, indoor. "Um sinalizador nunca pode ser usado numa casa fechada. Mesmo que a banda tenha usado várias vezes e nunca tenha acontecido nada, existe o risco", explica Ciça. "Nunca a banda simplesmente aparece com fogos. Ela avisa a produção da festa, que procura uma empresa especializada - e que tenha alvará, para lidar com esse material e colocá-lo no palco com segurança."5. Brigadas "Trabalho com o mínimo de dois bombeiros de plantão para cada 500 pessoas", diz a produtora Ciça Maria. Além disso, ela ressalta a importância de a casa ter uma brigada. "O ideal é que todos os funcionários - dos seguranças ao barman - sejam treinados para orientar o público em caso de incêndio. Segundo Sérgio Ceccarelli, especialista em segurança contra incêndio, as casas noturnas devem ter exaustores de fumaça e revestimentos protegidos contra chamas. "É possível aplicar um spray até em forração acústica altamente inflamável, como a da boate Kiss", diz. 6. Gambiarras"Em um evento, tudo é muito temporário. Quando a casa não tem muita estrutura, é importante contratar um engenheiro elétrico para que não aconteçam gambiarras nas instalações de luzes extras ou mesmo de som", diz Naiclê Leônidas, diretora da XYZ Live, empresa de entretenimento. "Basta um curto-circuito para começar um incêndio."7. Checagem Visitar o imóvel antes da festa é a última dica dada pelos especialistas. Entre os quesitos a serem analisados, a saída de emergência, segundo De Sicco, deve ter em média 1 metro linear para cada cem pessoas. "Mas essa conta varia de acordo com as condições de acesso a essas portas. Se tiver corredores e curvas, o espaço tem de ser maior." O ideal é fazer a visita com um engenheiro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.