O negócio da 'família vende tudo' de luxo

Especialistas ajudam 'quatrocentões sem liquidez' a se desfazer de móveis e objetos

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Por Paulo Sampaio
Atualização:

Clientela. Há 20 anos no ramo, Maria Helena Farah leva dois dias para se desfazer de móveis e onjetos de uma casa inteira

 

Velharia, não: antiguidade. Assim os especialistas no negócio conhecido como "Família Vende Tudo" costumam classificar as peças que negociam. Pode ser a cômoda dona Maria do século 19, o aparelho de jantar francês para 70 pessoas, o lustre de cristal Baccarat, ou o fogão usado, o espremedor de laranja, o porta xampu de plástico.O advogado Eduardo de Almeida Prado Souza Costa chegou a levar um quiosque para casa. Eduardo é cliente fiel de Maria Helena Farhat, que há 20 anos lida com venda de mobiliário de família e costuma levar dois dias para se desfazer de uma casa inteira. "Praticamente todos esses móveis foram comprados nos "família vende tudo" da Maria Helena", diz o advogado, em sua casa de 800 m2 na Granja Viana.Ele mostra a mesa de 12 lugares da sala de jantar, os sofás Chesterfield do living, os tapetes orientais, a TV, a cafeteira e ? por que não? ? a garrafa de uísque (já pela metade); lembra que ficou até com um cachorro (já morto). Maria Helena conta que primeiro procura saber da família que vende "se tem coisa boa na casa". "Só pego quando vale a pena. Recentemente, uma pessoa tirou as melhores coisas para si e deixou só uma mesa de jantar horrorosa, um bufê imenso, aquilo não dava nada." Ela diz que prefere pegar a casa cheia a ter de trazer peças de outros clientes para vender junto.No negócio da semana ? o leilão de uma casa projetada por Lina Bo Bardi no Morumbi ?, apenas duas apagadinhas cadeiras dos 600 lotes que recheiam o imóvel pertenceram à arquiteta. Com lance inicial de R$ 2,6 milhões, o leilão da casa e dos objetos (veja algumas peças ao lado) vai do próximo sábado até segunda-feira na Rua Brigadeiro Armando Trompowsky, 65, e inclui pouca coisa da proprietária, a paisagista Maria Luiza d"Orey Lacerda Soares. "Trouxemos a maioria das peças de fora", diz o leiloeiro Reginaldo de Carvalho, que destaca uma papeleira Brasil século 18, a partir de R$ 300 mil.Quiosque. O quiosque que o advogado Eduardo de Almeida Prado Souza Costa carregou pra casa tem cerca de 60m2 e custou R$ 4 mil. Estava em uma mansão de Alphaville, cujo terreno virou estacionamento. "Foi comprada por um casal de mulçumanos que recebia muito, precisava do espaço para guardar carros", conta Maria Helena, que é mulher de um palestino. Aos que temem a energia que pode vir com a peça antiga, Eduardo diz que é "espírita praticante". "Eu não acredito em energia de objeto, só de pessoa."Os personagens dos "família vende tudo" são uma espécie de bônus extra. Segundo José Carlos Quental, 25 anos de experiência nesse mercado, a maioria das famílias que colocam tudo à venda é formada pelo que ele classifica de "quatrocentões sem liquidez". Chamado para avaliar os móveis de uma casa, ele conta que o fizeram entrar pelos fundos, para não despertar a atenção da vizinhança. "O pessoal da família não queria que ninguém soubesse que eles estavam falidos. A gente entrou de jaleco, como se fosse de uma empresa de dedetização." Naquele caso, Quental precisou restringir em menos da metade os seis mil nomes de sua mala direta.Briga. Quando os herdeiros brigam pelas peças, e sobra pouca coisa na casa, é preciso avaliar o restolho. "Se o cliente começa a agregar valor sentimental à peça, ih, aí não funciona. Pra fazer uma venda de R$ 10 mil, melhor não pegar", diz Quental. Na semana passada, ele diz ter conseguido R$ 180 mil por tudo o que estava dentro de uma casa na Rua Maestro Elias Lobo, no Jardim Paulista, zona sul de São Paulo. Vendeu até a mini-academia de ginástica. Para ser considerada boa, uma venda tem de atingir um mínimo de R$ 60 mil. Quem vende fica com 20%. Entre uma escrivaninha d. João e um sofá da grife Cerello, a antiquária e socialite (não necessariamente nessa ordem) Dulcita Arantes Leão de Lima Costa vai soltando nomes de clientes como "os Montoro", "os Souza Queiroz", "a Noquinha Amaral", "o Visconde de Indaiatuba". "A coisa é muito informal, o povo vai chegando e vira happy hour."Ela conta que ficou tão famosa no ramo que chegou a fechar negócio em enterro. Para provar que as antiguidades são de verdade, a ponto de desafiar a memória do próprio dono da casa, Dulcita diz que já encontrou dólar esquecido em gaveta. Com formação em história da arte, ela pede para não revelar o endereço da casa em que trabalha agora. É um negócio para poucos. Apesar de distribuírem até senha aos interessados, os negociantes têm pavor de que se tome o que fazem com um "garage sale". "A gente não põe geladeira na calçada, pelo amor de Deus!", diz Dulcita, depois de contar que vende até o chão da casa.

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