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O nascimento da cidade

Por Antonio Penteado Mendonça
Atualização:

SÃO PAULO - A Vila de São Paulo não foi fundada em 25 de janeiro de 1554 pelo padre José de Anchieta. 25 de janeiro é a data da missa de inauguração do segundo colégio dos jesuítas no Planalto de Piratininga. Na época, José de Anchieta era um irmão corcunda e de saúde abalada, que havia chegado recentemente à América, em busca de um clima melhor. Estava em São Paulo desde agosto de 1553, integrando o grupo de 13 religiosos comandados pelo padre Leonardo Nunes que haviam subido para o Planalto de Piratininga por ordem do Provincial da Ordem, padre Manuel da Nóbrega. Em 25 de janeiro de 1554, Anchieta ainda não havia sido ordenado padre, o que só ocorreu alguns anos depois.

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O nascimento de São Paulo é muito mais complexo. Foi resultado da interação de três forças distintas - os índios de Tibiriçá, os brancos de João Ramalho e os jesuítas de Manuel da Nóbrega - numa área limitada, o Planalto de Piratininga, num período de tempo ao redor de 30 anos, entre 1532 e 1560.

O primeiro movimento dessa saga fantástica se dá provavelmente antes de 1520, quando João Ramalho e alguns portugueses se mudam para a taba dos tupis de Tibiriçá, no Planalto de Piratininga. Com a aliança consolidada pela união de João Ramalho com Bartira - filha de Tibiriçá - e de seus companheiros com outras índias, os brancos e os tupis se associam para capturar índios guaranis, que eram levados presos para o Porto dos Escravos, atual São Vicente, onde eram vendidos para repor as tripulações dos navios, dizimadas durante a longa e penosa travessia do Oceano Atlântico.

O segundo movimento ocorre em janeiro de 1532, quando Martim Afonso de Souza, depois de promover o Porto dos Escravos à Vila de São Vicente, levado por João Ramalho, sobe a Serra de Paranapiacaba e, percebendo o imenso potencial da região do Planalto, tanto para a defesa de retaguarda de São Vicente contra um ataque espanhol, como para porta de entrada para o interior do continente, funda a Vila de Piratininga, com eleição para a Câmara e o Pelourinho, de acordo com a lei portuguesa.

O terceiro movimento acontece pouco depois, quando os raros moradores de Piratininga abandonam a vila recém-criada e se mudam para Santo André da Borda do Campo, levando para a nova vila o Pelourinho original, instalado por Martim Afonso na Vila de Piratininga.

O quarto movimento se dá em agosto de 1553, quando, por ordem do provincial da Companhia de Jesus no Brasil, padre Manuel da Nóbrega, os 13 religiosos se instalam em Santo André da Borda do Campo, abrindo um pequeno colégio para catequizar moradores da região, nos termos do contrato com a coroa portuguesa.

O quinto movimento acontece em 25 de janeiro de 1554, quando os jesuítas, com missa solene, inauguram seu segundo colégio, pouca coisa mais espaçoso que o primeiro, mas em área mais apropriada para a defesa e consequente desenvolvimento urbano. Esta data, à época, não teve significação maior, tanto que o padre Manuel da Nóbrega, mais interessado em explorar o caminho do Peabiru, na região de Itu, não assistiu à missa do padre Manuel de Paiva.

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Na sequência, em função do baixo número de brancos e do nomadismo dos índios, o Planalto fica quase vazio, criando um sério problema estratégico. Preocupados, Manuel da Nóbrega e João Ramalho decidem unir suas poucas forças e pedem que o governador-geral do Brasil, Mem de Sá, autorize a união das duas povoações, com a mudança dos moradores de Santo André da Borda do Campo para o entorno do colégio dos jesuítas. Com a união das duas pequenas comunidades, o futuro da presença dos brancos no Planalto de Piratininga estava garantido. Em 1560 o governador-geral do Brasil cria a Vila de São Paulo de Piratininga, mantendo o Pelourinho original, instalado por Martim Afonso de Souza 28 anos antes.

Nos 300 anos seguintes, a vila sonolenta permanece pequena e pobre. Só depois da metade do século 19, com a expansão do café, São Paulo desperta, dando início a um dos mais fascinantes processos de urbanização do planeta. Mas isso é outra história.

* PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E COLUNISTA DO 'ESTADO' E DA RÁDIO ESTADÃO

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