PUBLICIDADE

'O improviso resume a história da cidade'

Ganhador do Jabuti de Arquitetura critica modelo 'provinciano' e diz que os planejamentos são feitos a toque de caixa

Por Nataly Costa
Atualização:

Foram 30 anos de pesquisa, 25 mil fotos e centenas de informações sobre a história de São Paulo. A ideia era compilar tudo em cinco volumes, depois "resumidos" a três, cada um com quase 200 páginas. Foi o que o arquiteto e professor da Universidade de São Paulo (USP) Nestor Goulart Reis precisou para contar e ilustrar com fotos os Dois Séculos de Projetos no Estado de São Paulo, livro que ganhou na segunda-feira o prêmio Jabuti de Arquitetura e Urbanismo. O que, na sua opinião, resume a história da urbanização de São Paulo? Falta aos políticos um melhor entendimento? O improviso resume essa história. Nada foi feito de forma organizada, os Planos Diretores não são respeitados. Fizeram algumas obras pontuais, mas o conjunto não tem coerência. A visão política ainda é rural, de coronéis. Os administradores não se sentem representados pelo espaço urbano. Eles tentam vender a imagem de que estamos "devagar, mas chegando lá". Não: estamos devagar, mas ladeira abaixo. A urbanização piorou a qualidade de vida dos moradores? Não necessariamente. Em 1955, por exemplo, já com 3 milhões de habitantes, era uma cidade que funcionava para ricos e pobres. A qualidade de vida já foi melhor - e de vida urbana mesmo. Hoje, até para a alta renda, a cidade tem pouquíssimos espaços confortáveis. Tirando Higienópolis, parte do Morumbi e muito pouco dos Jardins, existe pouca qualidade urbana. Um arquiteto americano veio aqui uma vez e me disse: "Vocês são loucos, o lugar mais bonito de São Paulo é em volta das represas! Vocês têm essa paisagem magnífica e ficam apinhados entre o Tietê e o Pinheiros!". E o entorno das represas é degradado, jogamos tudo isso fora. O avanço da especulação imobiliária e as construções desordenadas prejudicaram a cidade? A administração pública também participa das decisões do mercado imobiliário - se não participasse, não existiria tanta extravagância. Acontece que os empresários e as construtoras também pagam o preço de ter uma cidade desorganizada. O fato de a cidade ser como é hoje prejudica o mercado. Veja o eixo da (Avenida Engenheiro Luís Carlos) Berrini, com ruas estreitas, onde não cabe mais carro. Todo mundo quer investir no mesmo lugar. Por outro lado, não há alternativas atraentes em outras partes. Existe um jogo histórico entre o capital privado e o público: em alguns períodos, manda o capital privado; depois, ele sai, entra o Estado. E aí não há continuidade nem visão de conjunto. Dá para dizer que a cidade é modelo de alguma coisa? Deveria servir de modelo. A Paulista deveria ser um brinco. E olha como é caótica. Várias regiões deviam ser modelos, as áreas periféricas deveriam ser melhoradas. São Paulo é uma metrópole de alcance mundial, com estrutura provinciana. Temos tanto potencial e aproveitamos tão pouca coisa. Os habitantes de São Paulo mereciam mais. Falta planejamento? Os planejamentos são feitos a toque de caixa. São os projetos para uma cidade que determinam custo, organização, qualidade das obras. Mas não existe planejamento para 30 anos, só para 2, 3 anos. O que pode melhorar? O transporte público é precário. Dizem que São Paulo é uma cidade difícil, que as pessoas levam 2h do trabalho para casa. Não é verdade. Tem gente que leva 3h, 4h em dias razoáveis. O trânsito é a segunda jornada de trabalho. O culto ao carro existe, mas será que uma pessoa humilde gastaria dinheiro para comprar e manter um carro se o transporte público funcionasse? Se você for para Londres ou Paris, o metrô é o meio de ir ao trabalho. As pessoas não pensam em outro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.